A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que a mídia comete uma infração ao publicar uma notícia que prejudica a honra de uma vítima de estupro, mesmo que o fato seja verdadeiro e as pessoas envolvidas não sejam nominalmente identificadas.
Nesse sentido, o colegiado sentenciou um portal de notícias a indenizar uma menina em R$ 50 mil por danos morais, devido à veiculação de uma reportagem que, ao narrar o estupro sofrido por ela antes de completar 14 anos, associou a história a uma manchete sensacionalista, imputando à vítima uma conduta ativa diante do ocorrido e questionando moralmente seu comportamento.
Na reportagem, o portal referiu-se à vítima como “novinha” e insinuou que ela havia mantido relações sexuais com o padrasto, em vez de relatar que foi vítima de estupro, e ainda a culpou por criar um suposto “barraco familiar”. A publicação levou a vítima a entrar com uma ação pedindo indenização por danos morais.
No entanto, o juízo de primeiro grau considerou a ação improcedente, isentando o portal de notícias de responsabilidade civil sob o argumento de que, apesar do excesso no título da matéria, a conduta do jornal online estaria protegida pela liberdade de expressão e de imprensa. Além disso, entendeu que não houve danos à imagem da menor, uma vez que a notícia não continha dados objetivos que permitissem a sua identificação. Essa decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
O ministro Marco Buzzi, relator do recurso no STJ, afirmou que a manchete utilizou termos graves e altamente ofensivos à honra e à dignidade da menor, que foi vítima de abuso sexual, mas recebeu tratamento grosseiro, pejorativo e preconceituoso, como se fosse ela a culpada do próprio estupro.
O magistrado destacou que, embora o portal não tenha informado os nomes das pessoas envolvidas, os termos ofensivos utilizados chegaram ao conhecimento da vítima e de seus familiares, que facilmente puderam perceber que a matéria se relacionava ao fato vivenciado por eles, caracterizando-se, assim, grave difamação da menor.
O relator ponderou que a ofensa à honra individual não se dá apenas mediante a divulgação pública de fato vexatório, mas também quando o ataque é dirigido ao indivíduo, o qual pode se sentir afetado por palavras grosseiras e pejorativas, seja quando publicadas na internet, seja quando faladas diretamente ao ofendido.
“Assim, apesar do cuidado do órgão de imprensa ao omitir os dados dos envolvidos no fato, é evidente que os conceitos grosseiros e vexatórios manifestados na manchete da matéria, em relação à vítima do crime de estupro de vulnerável, têm o condão de afrontar a honra íntima da menor e nela causar danos psicológicos (artigo 21 combinado com o 17 do Código Civil e artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA)”, afirmou o ministro.
Marco Buzzi ainda ressaltou que, conforme a jurisprudência do STJ, os cuidados a serem empregados pelos órgãos de imprensa, quando da divulgação de notícias envolvendo menores de idade, devem ser redobrados, diante do dever imposto a toda a sociedade de zelar pelos direitos e pelo bem-estar da pessoa em desenvolvimento (artigos 16 e 17 do ECA).