Em uma decisão unânime, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) invalidou, na terça-feira (21), a sentença do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que, sob o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), estabeleceu uma indenização por danos morais de R$ 2,3 mil para as vítimas do colapso da Barragem do Fundão que enfrentaram problemas com o abastecimento de água.
O desastre da barragem ocorreu em 2015, na cidade de Mariana (MG). A decisão do TJMG se refere àqueles que buscaram reparação judicial pela interrupção do fornecimento de água devido ao desastre ou que questionaram a qualidade da água após a retomada do serviço.
Os ministros da Segunda Turma consideraram que o julgamento do IRDR não cumpriu os requisitos do Código de Processo Civil (CPC) para a definição do precedente qualificado, principalmente devido à ausência de representantes das vítimas no julgamento e à adoção do sistema de causa-modelo.
“O IRDR não pode ser interpretado de forma a dar origem a uma espécie de ‘justiça de cidadãos sem rosto e sem fala’, calando as vítimas de danos em massa em privilégio ao causador do dano”, observou o ministro Herman Benjamin, relator dos recursos especiais.
A instauração do IRDR foi solicitada pela mineradora Samarco, ré na maioria das milhares de ações movidas pelas vítimas para reivindicar indenizações. Nos processos, os autores afirmam que o rompimento da barragem contaminou o Rio Doce e afetou o fornecimento de água na região banhada por ele.
A Samarco chegou a indicar dois processos como representativos da controvérsia (causas-piloto), mas o TJMG entendeu que um deles não poderia ser analisado no sistema de precedentes qualificados por estar em tramitação em juizado especial, e o outro não poderia ser julgado, sob pena de supressão indevida de instância, porque ainda estava em discussão no primeiro grau.
Assim, adotando o sistema de causa-modelo, o TJMG estabeleceu que, quando se verificassem apenas transtornos comuns decorrentes da falta ou da má qualidade da água, para adultos em condições normais de saúde, a indenização por danos morais seria de R$ 2,3 mil. No entanto, o TJMG decidiu que a indenização poderia ser elevada até 20 salários mínimos, a critério da Justiça em cada caso, se houvesse demonstração de circunstâncias específicas que justificassem esse aumento.
Tanto o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) quanto a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) questionaram o cumprimento, pelo TJMG, dos requisitos legais do IRDR. As vítimas, por sua vez, argumentaram que a indenização estabelecida pelo tribunal estadual era irrisória e deveria ser revisada.
O ministro Herman Benjamin destacou que o CPC de 2015 adotou, como regra, a sistemática da causa-piloto para o julgamento do IRDR. Segundo o relator, a adoção do sistema da causa-modelo só é permitida pelo CPC/2015 em duas hipóteses: quando a parte desiste do único processo selecionado como representativo da controvérsia ou quando há pedido de revisão de tese anteriormente fixada em IRDR.
A peculiaridade deste caso é que nenhuma dessas duas hipóteses estava presente, mas mesmo assim a corte local decidiu julgar uma causa-modelo, indeferindo as diversas tentativas de manifestação das partes de um dos polos da relação jurídica”, apontou o ministro.
Herman Benjamin lembrou que, no IRDR, a regra é a participação das partes dos recursos selecionados como representativos. De acordo com o ministro, o CPC atribuiu à parte da causa-piloto a condição de representante dos eventuais afetados pela decisão, de modo que os tribunais de segunda instância têm o dever de garantir que haja essa representação no julgamento do incidente.
O relator comentou que o TJMG, entendendo que os processos indicados pela Samarco como causas-piloto não eram adequados para o IRDR, deveria ter determinado que a mineradora apontasse outras ações em condições de análise, sendo possível, ainda, que o próprio relator do incidente tomasse essa iniciativa.
“A participação das vítimas dos danos em massa – autores das ações repetitivas – constitui o núcleo duro do princípio do contraditório no julgamento do IRDR. É o mínimo que se deve exigir para garantir a observância ao devido processo legal, sem prejuízo da participação de outros atores relevantes, como o Ministério Público e a Defensoria Pública. A participação desses órgãos públicos não dispensa esse contraditório mínimo, especialmente diante do que dispõe o artigo 976, parágrafo 2º, do CPC”, finalizou o ministro.
Com a anulação do julgamento do IRDR pelo recurso do MP-MG, a Segunda Turma considerou prejudicados os recursos da OAB, da Samarco e das vítimas.