A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, reformou decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que considerara abusivo o voto de um banco credor contra a aprovação de plano de recuperação judicial que previa deságio de 90% em seu crédito.
O colegiado do STJ entendeu que não seria razoável exigir que o banco, detentor de aproximadamente 95% das obrigações da empresa devedora, aceitasse sem ressalvas a redução praticamente integral de seu crédito, estimado em cerca de 178 milhões de euros, em prol da coletividade de credores e em detrimento de seus próprios interesses.
O juízo de primeira instância, ao considerar abusivo o voto do banco contra o plano apresentado pela devedora, aplicou o instituto conhecido como cram down, possibilitando ao magistrado impor o plano ao credor discordante mesmo sem o quórum legal para sua aprovação.
No entanto, ao julgar o recurso interposto pelo banco contra a decisão de primeira instância, o TJSP, por maioria, manteve o entendimento de que o voto do banco configurava abuso no exercício do direito de voto. O tribunal paulista entendeu que o banco não demonstrara que a falência da empresa seria mais vantajosa do que a recuperação conforme proposto no plano.
No recurso ao STJ, o banco alegou que a recuperação foi concedida sem o preenchimento cumulativo de todos os requisitos do artigo 58, parágrafo 1º, da Lei de Falência e Recuperação Judicial (LFR). Dos três requisitos legais para a aplicação do cram down, apenas dois foram atendidos.
O relator do recurso, ministro Antonio Carlos Ferreira, referenciou um precedente do STJ (REsp 1.337.989), que admitiu, em circunstâncias extremamente excepcionais, a concessão da recuperação sem o preenchimento dos requisitos legais, visando evitar abusos de direito de voto por parte de alguns credores e assegurando a continuidade da empresa.
No entanto, o ministro enfatizou que não se pode transformar essa exceção em regra, visto que o cram down é uma medida excepcional destinada a resolver impasses e permitir a continuidade empresarial. A LFR exige o cumprimento de três requisitos para sua aplicação, dos quais dois não foram observados no caso em análise.
O banco, conforme destacado pelo relator, não incorreu em abuso do direito de voto, já que o deságio de 90% previsto no plano impactava significativamente seu crédito em comparação com os demais credores. Além disso, o banco não almejava a falência da empresa, mas sim a convocação de uma assembleia de credores para a aprovação de um novo plano.
Diante disso, a Quarta Turma do STJ deu provimento ao recurso, determinando que a devedora apresentasse um novo plano a ser submetido aos credores.