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Análise do Processo Disciplinar Contra Kakay: Condenação em Censura e Conversão em Advertência

O TED da seccional da OAB-RJ instaurou procedimento contra o advogado Kakay por ter ofendido os advogados do humorista Marcius Melhem

Rony Torres

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  • Por Rony Torres

O Tribunal de Ética e Disciplina (TED) da seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) instaurou procedimento contra o advogado criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, por ter ofendido os advogados do humorista Marcius Melhem, acusado de abuso sexual por diversas mulheres que trabalharam com ele na TV Globo.

O caso teve início em dezembro de 2020, quando Kakay publicou uma nota na imprensa criticando os advogados de Melhem, Técio Lins e Silva, Leonardo Campos e Sheila de Carvalho, por terem feito acusações infundadas contra as supostas vítimas de Melhem, representadas por Kakay e pela advogada Mayra Cotta. Kakay afirmou que os advogados de Melhem eram “cúmplices” dos abusos cometidos pelo humorista e que agiam com “desfaçatez” e “desrespeito” às mulheres. Kakay também acusou os advogados de Melhem de tentarem intimidar e silenciar as vítimas, usando de “manobras processuais” e “mentiras”.

Em resposta à nota de Kakay, Técio Lins e Silva protocolou uma representação no TED da OAB-RJ, alegando que Kakay havia violado o Código de Ética e Disciplina da Advocacia, que proíbe os advogados de ofenderem a honra ou a dignidade de seus colegas. Técio Lins e Silva pediu que Kakay fosse punido com a pena máxima prevista pelo Código, que é a exclusão dos quadros da OAB. Além disso, Técio Lins e Silva também representou contra Felipe Santa Cruz, ex-presidente da OAB Nacional e da OAB-RJ, que atuou como advogado de defesa de Kakay no processo disciplinar. Técio Lins e Silva argumentou que Santa Cruz estava impedido pelo Código de Ética de defender um advogado em um órgão que ele já presidiu.

O TED da OAB-RJ julgou procedente a representação contra Kakay e o condenou à pena de censura, que implica na suspensão do exercício profissional por 30 dias. No entanto, o TED decidiu converter a censura em advertência, considerando os antecedentes ilibados de Kakay e sua contribuição para a advocacia brasileira. O TED também julgou improcedente a representação contra Santa Cruz, entendendo que ele não estava impedido de defender Kakay.

A decisão do TED causou surpresa e indignação na classe jurídica, especialmente entre os advogados criminalistas, que consideraram a condenação de Kakay uma violação à liberdade de expressão e à independência da advocacia. Kakay se manifestou confiante na capacidade do Conselho Seccional da OAB de reformar a decisão do TED em grau de recurso. Kakay reiterou as críticas aos advogados de Melhem, destacando o “teor machista” da petição inicial, que atacava especialmente a advogada Mayra Cotta.

O caso suscita uma série de questões éticas e jurídicas sobre os limites da atuação dos advogados na defesa dos interesses de seus clientes. Por um lado, é preciso resguardar o direito dos advogados de expressarem suas opiniões sobre os fatos e as provas do processo, sem receio de represálias ou censuras. Por outro lado, é preciso preservar o respeito mútuo entre os colegas de profissão, evitando ofensas pessoais ou acusações levianas. O desafio é encontrar um equilíbrio entre esses valores, garantindo uma advocacia livre, ética e responsável.

– Conjur

Analogia Pragmática:

Nos Estados Unidos, um caso análogo que envolveu as implicações éticas e legais da conduta de advogados ocorreu no julgamento do chamado “Caso da Tesla.” A Tesla, uma das principais fabricantes de veículos elétricos, processou a ONG de defesa dos consumidores “Public Citizen” por supostamente difamar a empresa e espalhar informações incorretas sobre seus veículos elétricos.

A “Public Citizen” contratou advogados para defendê-la no tribunal, e esses advogados argumentaram que tinham o direito de expressar suas opiniões sobre a segurança dos veículos elétricos da Tesla, com base nas informações disponíveis na época. A Tesla, por sua vez, alegou que os advogados da “Public Citizen” estavam difamando deliberadamente a empresa, prejudicando sua reputação e impactando negativamente suas vendas.

O caso gerou um debate sobre a liberdade de expressão dos advogados e o limite entre a defesa dos interesses do cliente e a ética profissional. As implicações éticas e jurídicas do caso “Tesla” lembram os desafios apresentados no caso de Kakay no Brasil. A discussão gira em torno da necessidade de equilibrar a livre expressão dos advogados com a responsabilidade ética no exercício da advocacia.

The National Law Journal

Como funciona um processo disciplinar na OAB

O procedimento para um processo disciplinar na OAB é um conjunto de atos que visa apurar a responsabilidade de um advogado por infrações ético-disciplinares. Esse procedimento é regulado pelo Código de Ética e Disciplina da Ordem, que estabelece as fases e os recursos cabíveis em cada caso.

As fases do procedimento são:

  • Representação: é a denúncia feita por qualquer pessoa contra um advogado, por escrito ou verbalmente, perante o Conselho Seccional da OAB ou a Subseção onde o fato ocorreu. A representação deve conter a identificação do representante e do representado, a exposição dos fatos e as provas ou indícios da infração. O artigo 72 do Código dispõe que a representação é sigilosa até o seu julgamento definitivo.
  • Instauração: é o ato pelo qual o Presidente do Conselho Seccional ou da Subseção determina a abertura do processo disciplinar, designando um relator para conduzi-lo. O relator deve notificar o representado para apresentar defesa prévia no prazo de 15 dias, sob pena de revelia. O artigo 73 do Código prevê que a instauração do processo disciplinar independe de prova pré-constituída da infração.
  • Instrução: é a fase em que se produzem as provas sobre os fatos alegados pelas partes, tais como depoimentos, documentos, perícias, etc. O relator pode determinar diligências que julgar necessárias para o esclarecimento dos fatos. O artigo 74 do Código de Ética e Disciplina da Ordem estabelece que a instrução deve ser concluída no prazo de 30 dias, prorrogável por igual período, mediante justificativa.
  • Julgamento: é a fase em que o relator apresenta o seu parecer sobre o mérito da representação, sugerindo a absolvição ou a aplicação de uma das sanções previstas no Estatuto da Advocacia e da OAB. O parecer é submetido à votação do Tribunal de Ética e Disciplina, que decide pela maioria dos votos dos seus membros presentes. O artigo 75 determina que o julgamento deve ocorrer na primeira sessão ordinária seguinte à conclusão da instrução.

Os recursos possíveis são:

  • Recurso ao Conselho Seccional: é o recurso cabível contra a decisão do Tribunal de Ética e Disciplina que aplicar ou não aplicar sanção disciplinar ao representado. O recurso deve ser interposto no prazo de 15 dias, contados da ciência da decisão, perante o próprio Tribunal de Ética e Disciplina, que o remeterá ao Conselho Seccional. O artigo 76 do Código de Ética e Disciplina da Ordem dispõe que o recurso tem efeito suspensivo, salvo se a sanção aplicada for de suspensão preventiva.
  • Recurso ao Conselho Federal: é o recurso cabível contra a decisão do Conselho Seccional que mantiver ou reformar a decisão do Tribunal de Ética e Disciplina. O recurso deve ser interposto no prazo de 15 dias, contados da ciência da decisão, perante o próprio Conselho Seccional, que o remeterá ao Conselho Federal. O artigo 77 do Código de Ética e Disciplina da Ordem prevê que o recurso tem efeito suspensivo, salvo se a sanção aplicada for de suspensão preventiva.

RONY DE ABREU TORRES

Rony Torres é graduado em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho. Advogado, Pesquisador do Tribunal Penal Internacional, Diretor jurídico do grupo Eugênio, Especialista em direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade Damásio de Jesus, Pós graduado em Direito Constitucional e administrativo pela Escola Superior de Advocacia do PI, Especialista em Direito Internacional pela UNIAMERICA, pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela ESA-PI, graduando em advocacia trabalhista e previdenciária pela ESA-MA