Em uma decisão unânime, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que as evidências obtidas de dispositivos móveis são inaceitáveis no âmbito penal, a menos que sejam seguidos procedimentos que garantam a veracidade e a integridade dos dados coletados.
O colegiado enfatizou que as evidências digitais, devido à sua natureza facilmente modificável, exigem um nível elevado de cautela e diligência em sua custódia e manuseio, caso contrário, sua confiabilidade pode ser comprometida ou até mesmo descartada.
Com essa interpretação, o colegiado concluiu que as capturas de tela do WhatsApp, adquiridas pela polícia de um dispositivo móvel, não poderiam ser admitidas como evidência na investigação de uma suposta organização criminosa à qual o proprietário do dispositivo estaria associado.
Após a instância inicial ter confirmado a validade das provas digitais, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) ratificou a sentença que condenou o acusado a quatro anos e um mês de reclusão, com base no argumento de que não havia sinais de manipulação ou qualquer outra questão que pudesse invalidar os dados extraídos do dispositivo.
A defesa argumentou ao STJ que a coleta de dados do dispositivo foi realizada pelo Departamento de Investigações sobre Narcóticos (Denarc), quando deveria ter sido conduzida pelo Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), cujo procedimento seria o único capaz de prevenir a manipulação e garantir a legalidade da prova.
O ministro Joel Ilan Paciornik, relator do habeas corpus, sublinhou a necessidade de documentação de todas as etapas do processo de obtenção de provas digitais, incumbindo à polícia, além da adaptação de metodologias tecnológicas que assegurem a integridade dos elementos coletados, o registro adequado das fases da cadeia de custódia, de forma a garantir a autenticidade e a integridade dos dados.
O relator afirmou que o material digital relevante para a persecução penal deve ser manuseado de acordo com critérios claramente estabelecidos, indicando quem foi responsável pelas fases de identificação, coleta, embalagem, transporte e processamento, tudo formalizado em um laudo produzido por um perito, com esclarecimentos sobre a metodologia utilizada e as ferramentas eventualmente empregadas.
No entanto, o juiz ressaltou que, no caso em questão, a análise dos dados foi realizada diretamente no dispositivo móvel, sem o uso de máquinas de extração. O dispositivo foi encaminhado para extração através do kit Cellebrite, um dispositivo de extração e análise de dados digitais, mas o software da máquina disponível na Polícia Civil do Rio Grande do Norte não estava atualizado ou não tinha capacidade para ler o dispositivo.
Diante disso, o ministro indicou que não era possível verificar a veracidade das provas extraídas pelo acesso direto ao dispositivo apreendido, pois não havia registro de que os elementos inicialmente coletados fossem idênticos aos que corroboraram a condenação.
Na opinião de Paciornik, a ruptura da cadeia de custódia causou danos evidentes e tornou a prova digital inútil para o processo. Acompanhando o voto do relator, a Quinta Turma concedeu o habeas corpus e determinou que a instância inicial avalie se existem outras provas que possam sustentar a condenação.