Nota | Penal

Casal é condenado por submeter empregada doméstica a condições similares à escravidão na Bahia

Após a apresentação de uma denúncia pelo Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal na Bahia emitiu uma sentença condenatória contra um casal acusado de manter uma empregada doméstica em condições comparáveis à escravidão, submetendo-a a um ambiente de trabalho degradante por cerca de 40 anos.

Equipe Brjus

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Após a apresentação de uma denúncia pelo Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal na Bahia emitiu uma sentença condenatória contra um casal acusado de manter uma empregada doméstica em condições comparáveis à escravidão, submetendo-a a um ambiente de trabalho degradante por cerca de 40 anos.

A decisão judicial estipulou penas de quatro anos de reclusão, convertidas em prestação de serviços comunitários, além de multas e a perda da propriedade onde a vítima estava empregada, que deve ser destinada a programas de habitação popular após a decisão final.

A sentença, que atende parcialmente à denúncia do MPF de 2022, destaca que auditores do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) identificaram várias violações às leis trabalhistas na residência dos réus, incluindo a falta de registro formal de emprego, a não remuneração de salários e benefícios, além da imposição de jornadas de trabalho exaustivas.

Contrariando as alegações da defesa sobre a existência de uma relação afetiva entre a empregada doméstica e a família, o MPF conseguiu comprovar que o casal cometeu o crime de redução de pessoa à condição análoga à de escravo. “Os depoimentos da vítima, corroborados por testemunhas, revelam que a empregada não apenas realizava todas as tarefas domésticas, mas também cuidava do neto dos réus, demonstrando que ela estava sobrecarregada com responsabilidades que ultrapassavam em muito as expectativas de um relacionamento familiar saudável”, argumentou o MPF.

O MPF também destacou na denúncia a falta de oportunidades educacionais para a empregada doméstica, apesar do acesso dos demais membros da família à educação formal. “Isso evidencia uma clara privação de direitos fundamentais, como o direito à educação. Portanto, a dinâmica presente na residência não refletia uma relação de afeto e cuidado, mas sim um ambiente de exploração e subjugação, assemelhando-se a uma situação de trabalho análogo à escravidão”, enfatizou o MPF.

Dessa forma, a Justiça entendeu que os réus estavam cientes de que estavam agindo de maneira ilegal, já que um deles era professor e o outro trabalhava em uma instituição de ensino tradicional de Salvador. “Não estamos lidando com dois indivíduos sem qualquer instrução educacional, que não tinham a capacidade de compreender o caráter ilícito de suas ações, seja a privação do acesso à educação, a não estimulação da criação de novos laços sociais e afetivos pela vítima e a submissão a trabalhos domésticos ininterruptos e não remunerados durante mais de 40 anos”, ressalta a Justiça em parte da decisão. A sentença ainda pode ser objeto de recurso.

No final da decisão, o juiz Fábio Moreira Ramiro, titular da 2ª Vara Federal Criminal, enfatizou que, “diante da comprovação inequívoca do delito imputado aos réus, este Juízo não poderá se esquivar de encerrar o presente comando sentencial sem se dirigir à vítima, e dizer-lhe que tome para si sua liberdade inalienável e intangível por sinhás ou por casas grandes ou pequenas, porque essa liberdade é somente sua, e são seus, apenas seus, os sonhos que insistem em florescer a despeito de uma longa vida de restrições e de frustrações do exercício do direito de ser pessoa humana”.

Foi determinado, ainda, que uma cópia da sentença seja entregue pessoalmente à vítima. Neste ponto, considerando que a vítima não sabe ler, o oficial de Justiça deverá realizar a leitura da sentença de forma adequada, didática e compatível, levando em conta o desconhecimento da linguagem jurídica pela vítima.