Em resposta à solicitação da Procuradoria-Geral da República (PGR), a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou, por meio de sua decisão, a transferência de seis inquéritos relacionados a crimes de homicídio cometidos contra líderes de trabalhadores rurais e outras pessoas que denunciaram grilagem de terras e exploração ilegal de madeira em Rondônia, para a jurisdição da Justiça Federal.
Ao deliberar sobre o incidente de deslocamento de competência (IDC) apresentado pela PGR, o colegiado do STJ reconheceu a presença dos requisitos cumulativos que legitimam essa medida excepcional, a saber: a grave violação de direitos humanos, a possibilidade de responsabilização do Brasil em virtude de tratados internacionais firmados pelo país e a incapacidade das autoridades estaduais em apurar os fatos em questão.
Os inquéritos federalizados dizem respeito aos homicídios de oito indivíduos, a saber: Renato Nathan Gonçalves, Gilson Gonçalves, Élcio Machado, Dinhana Nink, Gilberto Tiago Brandão, Isaque Dias Ferreira, Edilene Mateus Porto e Daniel Roberto Stivanin.
Conforme argumentou a PGR, tais crimes ocorreram em um contexto de violência caracterizada pela atuação de grupos de extermínio, frequentemente envolvendo agentes da segurança pública local, que agiam em favor de indivíduos politicamente e economicamente influentes, com o objetivo de preservar seu controle sobre terras no estado de Rondônia.
A Procuradoria-Geral da República, diante das dificuldades significativas em obter informações das autoridades estaduais e da demora excessiva na condução das investigações por parte dos órgãos de segurança de Rondônia, solicitou ao STJ a federalização de um total de 11 inquéritos, que abrangiam tanto homicídios quanto casos de tortura. A PGR argumentou que essas circunstâncias evidenciaram a incapacidade da esfera estadual em fornecer uma resposta pronta, eficaz e eficiente aos crimes em questão.
O ministro Messod Azulay Neto, relator do IDC, ressaltou que, em cinco dos casos apresentados pela PGR, houve esforços visíveis das autoridades locais na investigação dos crimes, incluindo algumas condenações, embora nem todos os autores tenham sido identificados. Nesses casos, o ministro considerou que os critérios necessários para a transferência de competência não foram satisfeitos, visto que os órgãos estaduais atenderam ao padrão esperado na apuração e resolução dos eventos, o que tornaria injustificada a transferência para a esfera federal.
Por outro lado, o ministro afirmou que, em seis inquéritos, ficou clara a inação da Polícia Civil, justificando assim a transferência das investigações para a Polícia Federal. Messod Azulay Neto destacou que os órgãos estaduais não demonstraram capacidade para conduzir as apurações, seja por negligência ou por obstáculos materiais intransponíveis. Ele enfatizou a evidente incapacidade das autoridades locais em fornecer uma resposta eficaz às demandas sob análise, conforme atestado pelo próprio Ministério Público do Estado de Rondônia.
O relator também observou que o estado de Rondônia ocupa atualmente a segunda posição no que se refere ao número de mortes relacionadas à disputa por terras, perdendo apenas para o Pará, e já liderou essa estatística em 2015 e 2016, contribuindo para a liderança global do Brasil em mortes no campo.
Adicionalmente, Messod Azulay Neto destacou que as violações ocorridas nos seis casos federalizados têm o potencial de sujeitar o Brasil à responsabilidade internacional com base na Convenção Americana de Direitos Humanos. O Brasil já foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em relação às mortes ocorridas entre janeiro e fevereiro de 2016 de seis pessoas que estavam envolvidas na defesa dos direitos dos trabalhadores rurais. Portanto, a atuação das autoridades do estado de Rondônia na elucidação e combate aos crimes decorrentes de conflitos agrários está sujeita a um rigoroso escrutínio internacional.