
Tudo começa com confiança. Fotos íntimas, vídeos pessoais, mensagens reservadas. Mas, quando o relacionamento termina — e a frustração toma o lugar do afeto —, esse conteúdo acaba sendo usado como forma de retaliação. Esse tipo de conduta tem nome: pornografia de vingança, e é crime no Brasil desde a promulgação da Lei 13.718/2018, que modificou o Código Penal.
A prática, também conhecida como “revenge porn”, envolve a divulgação não autorizada de imagens ou vídeos de nudez, sexo ou conteúdo íntimo com o objetivo de humilhar, constranger ou se vingar da vítima. Embora a lei seja recente, o número de casos segue preocupante — e o Judiciário tem reagido com firmeza.
Violência digital com traços de gênero
Reportagem especial da Coordenadoria de TV e Rádio do Superior Tribunal de Justiça (STJ) destacou o caso de uma mulher que foi vítima do crime e, ao buscar ajuda, descobriu que seu ex-companheiro havia feito o mesmo com pelo menos outras 17 mulheres. Todas moradoras do Distrito Federal. De acordo com a Polícia Civil, entre 2023 e 2024, foram registradas 88 ocorrências desse tipo apenas na capital federal — e 82,5% das vítimas eram mulheres.
O recorte de gênero é essencial para entender a gravidade do fenômeno. A exposição indevida de conteúdo íntimo, muitas vezes compartilhado sob consentimento prévio no contexto de um relacionamento afetivo, torna-se arma de controle, humilhação e punição contra mulheres que decidiram seguir suas vidas.
Responsabilidade das plataformas e precedentes no STJ
O Superior Tribunal de Justiça tem formado jurisprudência relevante sobre o tema. Em julgamento recente, a Terceira Turma decidiu que uma plataforma de mensagens deverá indenizar uma vítima por não remover, de forma diligente, as imagens íntimas que circulavam em seu ambiente digital. A decisão reforça o entendimento de que os provedores de aplicações não podem se omitir diante de denúncias claras e identificáveis.
O posicionamento do STJ se alinha à responsabilidade civil dos provedores prevista no Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), especialmente quando há descumprimento de ordens judiciais ou negligência na apuração de denúncias. A decisão também sinaliza que a proteção da dignidade da pessoa humana — valor constitucional — deve prevalecer sobre a inércia tecnológica ou os limites das políticas internas das empresas.
Pornografia de vingança é crime e gera indenização
Além das sanções penais, a vítima de pornografia de vingança pode buscar reparação na esfera cível, pleiteando indenização por danos morais e materiais, se houver. O artigo 218-C do Código Penal prevê pena de reclusão de um a cinco anos para quem divulgar, com o intuito de vingança ou humilhação, conteúdos de nudez ou sexo sem autorização da vítima — pena que pode ser aumentada se a vítima for mulher.
O Judiciário vem reforçando que a internet não é uma terra sem lei. A exposição íntima e não consentida não apenas destrói a privacidade, mas também afeta profundamente a saúde mental, o convívio social e a integridade psicológica da vítima.
Como denunciar?
Casos como esse devem ser denunciados às delegacias especializadas em crimes digitais ou violência contra a mulher, que já contam com núcleos específicos para apurar esse tipo de violação. Também é possível acionar diretamente o Ministério Público ou recorrer ao Judiciário para pedir a retirada do conteúdo da internet e pleitear reparação.
A luta contra a pornografia de vingança passa pela educação digital, pelo fortalecimento da legislação e por um Judiciário atento às novas formas de violência. O recado do STJ é claro: quem compartilha ou se omite diante da divulgação de conteúdo íntimo sem consentimento pode e deve ser responsabilizado.