ARTIGO | Humanos | Internacional

A entrada da Armênia no TPI e o antagonismo Russo contra instituições de direito internacional

Armenia entra no Tribunal Penal Internacional e a diplomacia russa preocupa-se com a proximidade de instituições internacionais de forte influência ocidental em suas áreas de atuação política

O Parlamento da Armênia aprovou, nesta terça-feira (03/10), a adesão do país ao Tribunal Penal Internacional (TPI), aumentando as tensões com a Rússia, que é tradicionalmente uma aliada da ex-república soviética.

O Tribunal Penal Internacional (TPI) é um órgão permanente e independente que julga os crimes mais graves do direito internacional, como genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra. A Rússia, que assinou o Estatuto de Roma que criou o TPI em 2000, mas nunca o ratificou, anunciou em 2016 que iria retirar sua assinatura e não reconhecer a jurisdição do tribunal.

Esse tribunal tem sede em Haia, na Holanda, encarregada de julgar indivíduos acusados de crimes contra a humanidade, crimes de guerra e genocídios. Em março, o tribunal emitiu um mandado de prisão contra o presidente russo, Vladimir Putin, em um caso relacionado à deportação ilegal de crianças ucranianas para a Rússia.

Mas quais são os motivos que levam a Rússia a antagonizar o TPI? Existem várias razões possíveis e vistas dos mais diversos ângulos jurídicos, geopolíticos e de interesse. Destaquemos os três principais:

A QUESTÃO DA SOBERANIA.

Os Russos consideram que o TPI é uma ameaça à sua soberania nacional e à sua segurança, pois pode interferir em seus assuntos internos ou externos. A Rússia teme que o TPI possa investigar ou julgar seus cidadãos ou aliados por supostos crimes cometidos na Chechênia, na Geórgia, na Ucrânia ou na Síria, por exemplo. A Rússia também acusa o TPI de ser parcial e politizado, servindo aos interesses das potências ocidentais.

A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE.

A diplomacia russa argumenta que o TPI não tem legitimidade para julgar os crimes internacionais, pois não conta com a adesão de todos os Estados. A Rússia lembra que os Estados Unidos, a China e a Índia, entre outros, não são partes do Estatuto de Roma e não aceitam a autoridade do tribunal. A Rússia também critica o fato de que o Conselho de Segurança da ONU, onde tem poder de veto, pode referir ou suspender casos ao TPI, o que cria uma situação de desigualdade entre os Estados.

A QUESTÃO DA EFICÁCIA.

o Estado russo também entende que o TPI não tem sido eficaz em cumprir sua missão de combater a impunidade e promover a justiça internacional. A Rússia aponta que o TPI tem enfrentado dificuldades para obter cooperação dos Estados, para reunir provas e testemunhas, para garantir a execução das ordens de prisão e das sentenças. A Rússia também questiona os resultados do TPI, que em quase 20 anos de existência só condenou quatro pessoas, todas elas africanas.

Logo, fica claro que a Rússia antagoniza o TPI por motivos de soberania, legitimidade e eficácia do Estatuto de Roma principalmente. Essa postura reflete a visão russa de que o direito internacional deve respeitar a diversidade e a igualdade dos Estados, e não ser imposto por um órgão supranacional que pode violar sua soberania e seus interesses – Essa visão não acompanha o posicionamento majoritário da doutrina internacionalista.

Os países que fazem parte do TPI, em teoria, são obrigados a cumprir um mandado de prisão se Putin entrar em seu território. Por essa razão, o líder russo não compareceu pessoalmente à última cúpula do Brics, realizada em agosto na África do Sul.

A adesão da Armênia ao TPI foi aprovada com 60 votos favoráveis no parlamento, enquanto 22 parlamentares votaram contra. A adesão entrará em vigor em 60 dias.

Moscou reagiu imediatamente, afirmando que a ratificação do tratado pela Armênia era “equivocada”. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, declarou: “Temos dúvidas de que, do ponto de vista das relações bilaterais, a adesão da Armênia ao Estatuto de Roma [que criou o TPI] seja apropriada”.

O distanciamento entre Armênia e Rússia ficou mais evidente nos últimos tempos, especialmente devido à insatisfação dos armênios com a recusa dos russos em interferir no longo conflito com o Azerbaijão. Em setembro, forças azerbaijanas atacaram e ocuparam o enclave de Nagorno-Karabakh, forçando a rendição dos separatistas de etnia armênia que controlavam a região. Isso levou mais de 100 mil pessoas a deixarem o enclave e buscar refúgio na Armênia.

O primeiro-ministro armênio, Nikol Pashinyan, afirmou que a decisão de aderir ao TPI não era uma medida “contra” a Rússia, mas sim um passo tomado em prol da segurança do país. No entanto, ele já havia criticado a recusa de Moscou em intervir durante a ofensiva do Azerbaijão e expressou dúvidas sobre a eficácia da aliança de segurança externa entre Armênia e Rússia.

Além disso, a Armênia realizou um exercício militar conjunto inédito com os Estados Unidos em agosto e enviou ajuda humanitária à Ucrânia, entregue pela primeira-dama, Anna Hakobyan. Essas ações também sinalizaram um afastamento de sua tradicional relação com a Rússia.

Diante das preocupações da Rússia com a ratificação do Estatuto de Roma, a Armênia propôs a assinatura de um acordo bilateral com Moscou para amenizar as preocupações russas.

COMO ANDAM AS RELAÇÕES JURÍDICAS E GEOPOLÍTICAS DA ARMÉNIA:

A situação de Nagorno-Karabakh, a região separatista de maioria armênia que pertence ao Azerbaijão, se agravou nas últimas semanas, após uma ofensiva militar do Azerbaijão que retomou o controle de quase todo o território. O conflito, que remonta à época da União Soviética, deixou milhares de mortos e feridos, além de provocar uma crise humanitária e diplomática na região.

Quase toda a população armênia já saiu de Nagorno-Karabakh, fugindo dos ataques do Azerbaijão. Cerca de 70 mil pessoas buscaram refúgio na Armênia, onde enfrentam dificuldades para se alojar e se alimentar. Algumas crianças chegaram a desmaiar durante a fuga .

A Otan autorizou o envio de mais tropas à região separatista, para tentar controlar a crise e oferecer garantias de segurança aos habitantes de Nagorno-Karabakh. A aliança militar ocidental também pediu que o Azerbaijão respeite os direitos humanos e aceite uma presença humanitária internacional.

O ministro das Relações Exteriores da Armênia, Ararat Mirzoyan, discursou na ONU denunciando a violência e a limpeza étnica praticadas pelo Azerbaijão em Nagorno-Karabakh. Ele afirmou que não há mais conflito, mas um perigo real de atrocidades contra a população armênia .

Logo com os recorrentes ataques, a impossibilidade de manutença de tropas e população e a falta de alimento o governo autônomo de Nagorno-Karabakh anunciou sua dissolução a partir de 2024, após perder quase todo o seu território para o Azerbaijão. O representante da região separatista, Arayik Harutyunyan, disse que o enclave deixará de existir como uma entidade política e administrativa .

A Armênia recebeu o apoio de países como França, Estados Unidos e Alemanha, que condenaram a operação militar do Azerbaijão e defenderam uma solução negociada e pacífica para o conflito. Esses países também abrigam grandes comunidades armênias em seus territórios .