- Por Rony Torres
Dois casos recentes chamaram a atenção da população nesses últimos meses. O Tribunal de Justiça do Piauí cassou o prefeito de Campo Maior por improbidade administrativa e o Tribunal Regional Eleitoral do estado cassou o prefeito de Dom Expedito Lopes por compra de votos.
O caso do prefeito de Campo Maior, Joãozinho Félix, afastado do cargo por improbidade administrativa, e o caso do prefeito de Dom Expedito Lopes, Valmir Barbosa de Araújo, cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-PI) por captação ilícita de sufrágio e abuso do poder político e econômico, são processos icônicos da justiça do Piauí e exemplos práticos a serem estudados por profissionais do direito.
No caso de Joãozinho Félix, o TJPI acatou a ação impetrada pelo Ministério Público do Estado e determinou o afastamento do prefeito por improbidade administrativa. Embora o prefeito tenha negado as acusações e alegado que se trata de uma questão política, a decisão do tribunal foi pelo afastamento, mas em decorrência ade diversas manobras a defesa de Joãozinho conseguiu cravar uma proposta de acordo com o Ministério Público, e nesse meio tempo o prefeito ainda continua no cargo.
Já no caso de Valmir Barbosa de Araújo, o TRE-PI cassou o mandato do prefeito e da vice-prefeita Evanil Conrado de Moura Lopes por captação ilícita de sufrágio e abuso do poder político e econômico. A decisão foi tomada após a Corte Eleitoral do estado entender que o prefeito utilizou de condutas ilegais para conseguir a vitória nas urnas em 2020. A cassação do mandato do prefeito e da vice-prefeita se alinham ao posicionamento do TJ apesar de serem situações diferentes.
Contudo, ambos os casos demonstram um endêmico problema da justiça brasileira: “a evidente possibilidade protelatória que o processo moroso possibilita”.
É claro que as “regras do jogo” estão muito bem descritas na legislação vigente, contudo, o que se percebe é que as regras vão sendo aplicadas de maneira diferente a depender de quem é a parte no processo.
Não se faz, aqui, juízo de valor dos excelentíssimos prefeitos. O que se faz é uma crítica, velada, à possibilidade de mesmo depois de condenados pela justiça (um por improbidade e outro por captação de voto)a legislação ainda permitir que permaneçam indefinidamente no cargo até que o processo termine.
A título de exemplo, o processo do prefeito de Campo Maior, que o condenou por improbidade já tem mais de uma década. Ele já saiu e voltou para o cargo e o processo não findou.
A discussão de onde está o erro é profunda e bem mais complexa do que seria possível abordar aqui, pois não envolve somente questão meramente processual ou jurídica, mas como a sociedade enxerga a complexidade processual que permite que um chefe do executivo permaneça no cargo mesmo após condenado ao causar à sociedade.
Como se dá a cassação de um prefeito na justiça?
O processo de cassação de prefeitos começa com a instauração de uma denúncia ou representação contra o gestor municipal. Isso pode ocorrer por diversos motivos, como abuso de poder, corrupção, crimes eleitorais ou improbidade administrativa. Os órgãos envolvidos nessa fase incluem o Ministério Público, partidos políticos, e até mesmo cidadãos comuns que, ao identificarem irregularidades, podem acionar as autoridades.
A base legal para a cassação de prefeitos inclui a Constituição Federal, a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 14230/2021), a Lei de Inelegibilidades (Lei Complementar 64/1990) e o Código Eleitoral. Além disso, é importante mencionar a jurisprudência, que consiste em decisões judiciais anteriores que estabelecem precedentes para casos similares.
Um dos órgãos centrais no processo de cassação é o Tribunal Regional Eleitoral (TRE), que é responsável por julgar casos de cassação relacionados a crimes eleitorais, como compra de votos e abuso de poder. O Ministério Público Eleitoral (MPE) também desempenha um papel significativo ao apresentar denúncias e acusações.
No entanto, a realidade brasileira frequentemente demonstra a morosidade do sistema judicial e eleitoral, permitindo que prefeitos condenados permaneçam em seus cargos por um período significativo. Um exemplo notório é o caso do ex-prefeito de Cabo Frio, Marquinho Mendes, que conseguiu permanecer no cargo mesmo após a cassação de seu mandato. Essa demora, muitas vezes relacionada a recursos legais e manobras protelatórias, mina a confiança do público nas instituições e na justiça.
A Constituição Federal de 1988 estabelece que a cassação de mandato de prefeito só pode ocorrer nos casos de infrações político-administrativas, crimes de responsabilidade, incapacidade civil absoluta, condenação criminal transitada em julgado, recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, e improbidade administrativa. A cassação de mandato de prefeito é uma medida extrema, que deve ser aplicada com cautela e responsabilidade, para evitar abusos e injustiças.
Para reformar esse sistema, é necessário um amplo debate sobre a simplificação dos procedimentos, a aceleração das investigações e julgamentos, e a garantia de que decisões judiciais sejam efetivamente cumpridas. Além disso, a transparência e o combate à corrupção em todas as esferas do governo são cruciais para prevenir a necessidade de cassações de prefeitos.
Em um país que busca consolidar sua democracia, o processo de cassação de prefeitos é um elemento importante na busca por uma gestão pública responsável. No entanto, as falhas e demoras no sistema atual destacam a urgência de reformas para garantir a responsabilização efetiva dos gestores municipais que infringem a lei e prejudicam a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas.
Analogia pragmática 1
Marquinho Mendes foi cassado por abuso de poder político e econômico nas eleições municipais de 2016, quando tentou a reeleição. O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) determinou sua inelegibilidade e a cassação de seu mandato, alegando que ele teria utilizado recursos públicos de forma indevida em sua campanha eleitoral.
No entanto, Marquinho permaneceu no cargo de prefeito por meio de uma série de recursos e decisões judiciais conflitantes. A situação se arrastou por meses, resultando em uma incerteza política e administrativa na cidade. Embora a cassação tenha sido anunciada, as reviravoltas legais permitiram que Marquinho Mendes continuasse exercendo o cargo até o final de seu mandato.
Analogia pragmática 2
O prefeito de São Mateus, Daniel Santana Barbosa também foi cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo (TRE-ES) por suposto abuso de poder econômico, mas foi absolvido em última instância. O caso de Daniel Santana Barbosa mostra como o processo de cassação de mandato pode ser longo e complexo, e como os recursos judiciais podem prolongar a permanência do prefeito no cargo.
Analogia pragmática 3
No exterior, um exemplo de prefeito que permaneceu no cargo após a cassação é o caso do prefeito de Marbella, Julián Muñoz. Ele foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro em 2006, mas permaneceu no cargo por mais de um ano, até que foi preso em 2007 .
Será se o problema endêmico não é só no Brasil? Mas em toda América Latina?
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O Curioso caso do Homem que gostava de ser prefeito
TRE-PI cassa mandato do prefeito e vice de Dom Expedito Lopes por corrupção eleitoral