Mesmo havendo consentimento inicial para a prática sexual, a simples discordância da vítima em prosseguir na relação – quando essa negativa não é respeitada pelo agressor – é suficiente para a caracterização do crime de estupro. Não se exige, nesses casos, que a recusa seja enérgica ou que a vítima manifeste uma resistência física contundente.
Esse entendimento foi consolidado pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria de votos, ao reformar uma decisão de segundo grau e restabelecer a sentença que condenou um homem a seis anos de reclusão por estupro.
O tribunal local havia absolvido o réu, sob o argumento de que, embora a vítima tivesse se recusado a continuar o ato sexual inicialmente consentido, não ficou comprovado que essa discordância tenha sido expressa de forma suficientemente enfática, a ponto de ser percebida claramente pelo acusado.
O ministro Sebastião Reis Junior, ao proferir seu voto, destacou que “o dispositivo do Código Penal que tipifica o delito de estupro não exige uma forma específica de resistência por parte da vítima, mas sim o dissenso, que foi devidamente comprovado nos autos”.
Segundo o ministro, a relação sexual deve ser consentida do início ao fim. Em seu voto, acompanhado pela maioria do colegiado, ele explicou que o constrangimento da vítima, no crime de estupro, pode ser caracterizado por meio de violência ou grave ameaça, conforme previsto no artigo 213 do Código Penal.
Nos autos, a vítima relatou em seu depoimento que, durante a relação íntima, manifestou ao réu que não desejava continuar, mas, mesmo após expressar sua negativa, ele prosseguiu no ato sexual mediante o uso de força física.
Sebastião Reis Junior enfatizou que o consentimento inicial deve perdurar durante toda a relação, pois a liberdade sexual inclui o direito de interromper o ato a qualquer momento. “O consentimento dado anteriormente não autoriza o outro parceiro a obrigar a continuidade do ato sexual. Se um dos envolvidos decide interromper a relação e o outro, utilizando-se de violência ou grave ameaça, obriga a vítima a prosseguir, configura-se o estupro”, afirmou o ministro.
O magistrado também refutou o argumento de que a ausência de uma reação física ou veemente por parte da vítima descaracterizaria o estupro, destacando que a discordância foi claramente manifestada. Além disso, o crime não perde sua configuração pelo fato de a vítima, após resistir inicialmente, ter se submetido ao ato, aguardando seu término.
O ministro pontuou que a aparente passividade da vítima, após constatar que sua resistência ativa não impediria o ato, não é incomum em delitos dessa natureza. No caso em análise, a vítima, percebendo sua incapacidade de impedir a violência, optou por esperar que o ato terminasse.
Ainda de acordo com Sebastião Reis Junior, o fato de a vítima ter mantido contato com o agressor após o crime não descaracteriza o estupro, como havia sustentado o tribunal local. O ministro criticou tal argumento como um “viés desatualizado e machista”, ressaltando que o contato posterior pode refletir uma tentativa da vítima de lidar com o “peso errôneo da culpa” ou até mesmo de buscar mecanismos para sobreviver à violência sofrida.
O ministro concluiu que, se tal pensamento fosse aceito, o crime de estupro não seria reconhecido em casos onde mulheres, subjugadas por seus maridos ou companheiros, se submetem passivamente à violência sexual dentro do lar, devido a uma série de fatores, como dependência financeira, emocional, influências culturais ou a internalização de uma visão patriarcal que impõe a figura masculina como autoridade a ser obedecida.