
A seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) instaurou um procedimento para apurar a atuação de uma empresa que comercializa petições iniciais geradas por inteligência artificial ao custo de R$ 19,90. O serviço é oferecido por um site sediado em Curitiba e funciona de maneira automatizada: o cliente preenche um formulário com dados básicos sobre a causa, o valor e as provas, e em instantes recebe uma petição pronta. A OAB-RJ sustenta que a prática pode configurar exercício ilegal da advocacia, especialmente se houver envolvimento de advogados, e representa uma forma indevida de mercantilização da atividade jurídica, conduta vedada tanto pelo Código de Ética quanto pelo Estatuto da Advocacia.
A preocupação da OAB se amplia diante do impacto que esse tipo de serviço pode ter no sistema de Justiça. Há o risco de que o uso indiscriminado de IA gere um aumento de ações judiciais mal formuladas, comprometendo a qualidade do Judiciário e banalizando o acesso à Justiça. Como exemplo dos riscos já identificados, cita-se decisão do Tribunal de Justiça do Paraná que rejeitou um recurso claramente produzido por IA, no qual foram identificados erros graves, como a citação de trechos inexistentes, precedentes inventados e nomes fictícios de magistrados. O relator do caso advertiu o advogado responsável, destacando o descaso ético e a gravidade de se submeter peças processuais de baixa qualidade ao crivo do Judiciário.
Em sua defesa, a empresa alega que sua atuação está em conformidade com a Lei 9.099/95, que permite a propositura de ações nos Juizados Especiais sem a presença obrigatória de advogado, desde que o valor da causa não ultrapasse 20 salários mínimos. Alega ainda que seu objetivo é ampliar o acesso à Justiça, oferecendo uma solução rápida e acessível para demandas simples, especialmente de consumo. Reforça que a IA utilizada inclui fundamentação legal e jurisprudência, e que o serviço não representa prática jurídica direta, mas apenas suporte documental.
No entanto, o debate não é novo. A própria OAB-RJ já moveu uma ação civil pública contra empresa que oferecia “consultoria jurídica especializada” pela internet, com cobrança de percentual sobre eventuais indenizações. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região considerou que a atuação configurava prática irregular de advocacia e captação indevida de clientela, vedadas para empresas que não se constituem como sociedades de advogados. A jurisprudência firmada reconhece que, mesmo quando travestidos de blogs ou plataformas informativas, serviços dessa natureza que prestam orientação jurídica ou elaboram documentos legais automatizados extrapolam os limites legais permitidos para não advogados, incidindo em mercantilização da advocacia.
Em síntese, o caso revela um embate crescente entre inovação tecnológica e os limites éticos e legais da profissão jurídica, com a OAB reiterando sua posição de que a atuação de plataformas que substituem o advogado, especialmente com viés comercial, fere princípios fundamentais da atividade profissional e representa ameaça à integridade do sistema de Justiça.