A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu que a dona de um estabelecimento de hospedagem em Erebango (RS) não é civilmente responsável pelo assassinato ocorrido no local, perpetrado por um hóspede contra outro. Os ministros entenderam que, embora o Código Civil preveja a responsabilidade dos hotéis por atos de seus hóspedes, essa responsabilidade não é automática e depende da existência de uma relação entre o dano e os riscos inerentes à atividade do estabelecimento.
No incidente, um hóspede assassinou outro após uma discussão motivada por bebida. O autor do crime estava armado e disparou contra a vítima dentro do estabelecimento onde ambos estavam hospedados. Após a condenação do autor do crime, os familiares da vítima, que também estavam hospedados no local, entraram com uma ação de indenização por danos morais contra o criminoso e contra a dona do hotel.
O juízo de primeiro grau atribuiu a responsabilidade objetiva à proprietária do estabelecimento, com base no argumento de que ela não cuidou adequadamente da segurança dos clientes, pois permitiu que um hóspede entrasse armado em suas instalações. No entanto, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) afastou essa responsabilidade ao reconhecer a culpa exclusiva de terceiro.
A teoria do risco integral deve ser adotada em casos excepcionais De acordo com o ministro Moura Ribeiro, autor do voto que prevaleceu no julgamento da Terceira Turma, o artigo 932 do Código Civil estabelece hipóteses de responsabilidade civil por atos praticados por terceiros, incluindo os proprietários de “estabelecimentos onde se albergue por dinheiro”.
No entanto, o ministro acredita que o alcance dessa norma deve ser repensado, especialmente após a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que estabeleceu a responsabilidade objetiva direta para todos os fornecedores em relação aos danos causados pelo fato do serviço, e não pelo fato de terceiros.
Conquanto os donos dessa espécie de atividade comercial sejam responsáveis pela segurança física e patrimonial dos seus hóspedes, a extensão dessa obrigação deve depender do contexto específico de cada caso, sob pena de se admitir a responsabilidade pelo risco integral desse ofício”, afirmou.
Moura Ribeiro lembrou que a teoria do risco integral é adotada no ordenamento jurídico brasileiro apenas em casos excepcionais, de atividades potencialmente perigosas, ou seja, aquelas que apresentam alta probabilidade de causar danos a terceiros – por exemplo, um dano nuclear ou dano ambiental.
Fato estranho à atividade desenvolvida pelo fornecedor Em sua avaliação, o risco assumido por um empresário no desenvolvimento de sua atividade é apenas aquele que, por sua natureza, decorre do exercício do negócio, ou seja, o risco decorrente dos meios normais de exercício da atividade. “Portanto, quando o evento é estranho e externo, sem vínculo com o negócio em si, a responsabilização não é possível”, ponderou.
No caso em análise, o ministro afirmou que não é possível considerar como “própria” à atividade de um parque aquático que aluga chalés e cabanas a proteção dos hóspedes contra o risco de lesão física por eventuais condutas de outro hóspede.
Para o magistrado, o estabelecimento foi “palco de uma conduta imprevisível e despropositada”, totalmente alheia ao negócio de hospedagem. De acordo com Moura Ribeiro, a atividade desenvolvida pelo estabelecimento não criou esse risco nem foi causa para a prática do ato ilícito.
Dessa forma, o ministro reconheceu o fortuito externo e entendeu pela aplicação da excludente do nexo de causalidade prevista no artigo 14, parágrafo 3º, II, do CDC, uma vez que a causa do evento danoso foi um fato completamente estranho à atividade do fornecedor do serviço.