A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão proferida recentemente, estabeleceu que, para ser válido, o procedimento de reconhecimento de pessoas, conforme delineado no artigo 226, parágrafo II, do Código de Processo Penal (CPP), deve garantir que haja alguma similaridade física entre o suspeito e os demais indivíduos colocados ao seu lado. Com esse entendimento, a turma julgadora absolveu um indivíduo de etnia negra que, durante o reconhecimento, foi colocado ao lado de dois indivíduos de etnia branca.
Segundo o colegiado, a exigência de que as demais pessoas apresentem alguma semelhança com o suspeito visa assegurar a imparcialidade e a precisão do procedimento.
No caso em análise, o réu foi condenado a mais de 49 anos de prisão sob a acusação de roubo e estupro de três vítimas, sendo uma delas menor de idade à época dos crimes. O processo transitou em julgado em 2020. Após a condenação, as vítimas procuraram a imprensa local para declarar que não reconheciam o acusado como autor dos crimes. Diante disso, foi instaurado um processo de revisão criminal buscando a absolvição do réu, porém o Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) julgou a revisão improcedente.
Retratação da vítima pode ensejar revisão criminal
O relator do recurso no STJ, ministro Ribeiro Dantas, observou que a corte mantém o entendimento de que a retratação da vítima de crime sexual não implica automaticamente na absolvição do acusado, pois deve ser avaliada em conjunto com todas as provas do processo. Entretanto, destacou que “a retratação da vítima autoriza a revisão criminal para a absolvição do réu, quando o conjunto probatório se resume à sua declaração e a testemunhos, sem outras provas materiais”.
De acordo com o ministro, a retratação da vítima ou a apresentação de novos elementos que contestem os fundamentos da condenação original podem resultar na absolvição do acusado, “caso as novas provas sejam suficientemente robustas para instaurar uma dúvida razoável quanto à sua culpabilidade”.
Ribeiro Dantas ressaltou que uma das vítimas, durante a audiência de justificação criminal, manifestou incerteza em afirmar a responsabilidade do acusado pelos crimes de roubo e estupro, indicando que não visualizou seu rosto no momento dos fatos. Para o magistrado, essa declaração recente da testemunha lança dúvidas sobre a fundamentação da sentença, que se baseou exclusivamente em seu depoimento anterior – o que sugere a revisão da condenação com base no artigo 621, inciso III, do CPP, por introduzir dúvidas significativas sobre a consistência das provas que embasaram a decisão judicial.
“É de vital importância ressaltar que o ônus da prova da inocência jamais deve ser atribuído ao réu. Ao contrário, qualquer incerteza quanto à sua culpabilidade deve operar em seu favor, evidenciando uma manifestação prática do princípio do in dubio pro reo e reiterando o conceito de que é preferível absolver um culpado do que condenar um inocente”, ressaltou.
Reconhecimento pessoal conduz a sugestão implícita
O relator também enfatizou que a colocação de duas pessoas brancas junto ao suspeito negro para o reconhecimento pessoal violou o artigo 226 do CPP, uma vez que não atendeu ao requisito de semelhança entre os participantes do procedimento. O ministro explicou que a lógica dessa exigência é minimizar a possibilidade de erro, garantindo que o reconhecimento seja baseado em características específicas do suspeito, e não em preconceitos ou influências externas.
Para cumprir o CPP e garantir a integridade do reconhecimento, Ribeiro Dantas considerou fundamental que todos os indivíduos envolvidos tenham semelhanças significativas com o suspeito, incluindo a cor da pele – embora não se limite a isso.
Da maneira como foi conduzido, concluiu o relator, o reconhecimento induziu a vítima a selecionar o suspeito com base na distinção mais evidente entre os participantes, em vez de fazer uma identificação cuidadosa e detalhada.