O Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União (DPU) e a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro/RJ ajuizaram, uma ação civil pública com o propósito de obter uma condenação da União para o pagamento de R$ 100 milhões em danos morais coletivos decorrentes da violação de direitos humanos durante operações policiais que contaram com a participação da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
De acordo com os órgãos mencionados, a atuação da PRF fora das estradas federais, em incursões e operações policiais, ultrapassa as atribuições originais da corporação, contribuindo para o aumento da violência e da letalidade dessas ações.
Além da compensação financeira, a ação judicial solicita que a União seja obrigada a adotar medidas destinadas à prevenção e reparação completa dos danos causados. Entre essas medidas, inclui-se a implementação de câmeras corporais nos uniformes dos policiais rodoviários, a capacitação dos agentes em relação aos direitos humanos e à segurança cidadã, bem como a revogação da portaria 42/21 do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Esta norma infralegal, emitida há dois anos e já questionada judicialmente, autoriza a participação da PRF em operações conjuntas com outras polícias ostensivas.
Para o MPF e as Defensorias Públicas, a portaria do Ministério da Justiça é ilegal e inconstitucional, pois atribui responsabilidades que excedem as competências originais da PRF.
A ação busca que a União seja condenada a reconhecer as violações cometidas e a emitir um pedido público de desculpas em nome do Estado brasileiro.
Escalada da Violência
Os órgãos de Justiça destacam o aumento da letalidade nas operações da PRF nos últimos anos. Entre 2019 e 2022, ocorreram 126 mortes em confrontos com a participação de policiais rodoviários em todo o país, incluindo 57 óbitos em casos de chacinas, caracterizados pela morte de três ou mais pessoas no mesmo evento.
Segundo os autores da ação, esses dados indicam uma mudança no papel da PRF nos últimos anos, à medida que a corporação adquiriu apoio político e até mesmo legal para legitimar uma atuação mais agressiva, voltada para o combate à criminalidade em áreas marginalizadas.
Racismo Estrutural
O MPF e as Defensorias Públicas afirmam que esse quadro evidencia o racismo estrutural presente na sociedade brasileira, refletido na falta de cuidado e respeito pela vida durante operações policiais em comunidades e favelas, onde a maioria da população é negra.
A ação salienta que, apesar da condenação do Estado brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos devido a chacinas na Favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão, as operações de segurança pública em favelas e periferias continuam a representar uma “política de extermínio e instrumentalização da vida conduzida pelo aparato estatal”. Essa abordagem resulta em temor e desconfiança da sociedade, conforme observado pelos órgãos de Justiça.
Caso Lorenzo Palhinhas
A ação civil conjunta foi apresentada precisamente um ano após a morte de Lorenzo Palhinhas, ocorrida em 27 de outubro de 2022, durante uma operação da PRF no Complexo do Chapadão, na Zona Norte do Rio de Janeiro.
Conforme as investigações, o jovem de 14 anos trabalhava como motoboy e foi atingido por um tiro de fuzil enquanto realizava entregas. Outros dois meninos foram sequestrados e alegadamente submetidos a tortura para fornecer declarações incriminatórias contra o motoboy. Eles permaneceram mais de cinco horas em uma viatura da PRF no local.
O MPF, no âmbito do controle externo da atividade policial, iniciou uma investigação criminal para apurar os eventos e interpôs uma medida cautelar perante a Justiça para garantir a perícia das armas dos policiais envolvidos. O inquérito criminal ainda está em andamento.
Em outra ação civil, as Defensorias Públicas da União e do Rio de Janeiro requerem indenização por danos morais e pensão para a família do garoto, bem como um pedido formal de desculpas por parte do Estado aos familiares da vítima.
Fonte: Migalhas