Nota | Financeiro

STF discute os limites da investigação financeira sem autorização judicial

Na ocasião, Toffoli entendeu que o pedido atendeu aos parâmetros estabelecidos em 2019 pelo STF para o compartilhamento de dados sigilosos.

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A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal está diante de uma oportunidade crucial para pacificar o entendimento da Corte sobre a legalidade dos Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) produzidos por órgãos como o Coaf e a Receita Federal quando solicitados por autoridades investigativas, como a polícia judiciária e o Ministério Público. A análise ocorre nos julgamentos do Habeas Corpus 249.246 e da Reclamação Constitucional 74.362, ambos relatados pelo ministro Edson Fachin. O debate foi suspenso após pedido de vista do ministro Dias Toffoli.

A questão gira em torno da validade de relatórios financeiros feitos “por encomenda”, ou seja, quando são requeridos formalmente por autoridades durante fases iniciais de investigação. Em decisões anteriores, o Plenário do STF já confirmou, desde 2019, que o compartilhamento espontâneo dessas informações é constitucional, desde que não demande autorização judicial. A divergência atual surge quando a iniciativa parte das autoridades investigativas, o que tem dividido o entendimento entre as turmas da Corte.

Enquanto a 1ª Turma do Supremo valida o uso desses relatórios, mesmo quando solicitados, sem necessidade de autorização judicial prévia, a 2ª Turma tem seguido linha mais restritiva, exigindo controle judicial para sua produção. Nos dois casos em análise, Fachin se alinha à interpretação mais ampla adotada pela 1ª Turma, sugerindo uma possível guinada no posicionamento da 2ª Turma.

O caso concreto envolve um empresário investigado por apropriação indevida de recursos. A Polícia Federal, em fase preliminar de investigação (VPI), solicitou informações financeiras diretamente à Receita Federal. O STJ inicialmente validou o procedimento, mas voltou atrás em embargos de declaração, ao entender que o VPI não configura inquérito formal. A decisão foi contestada tanto pela defesa, por meio de habeas corpus, quanto pela PGR, que recorreu ao STF por meio de reclamação constitucional.

Fachin, em decisões monocráticas, deu razão à PGR, citando precedentes como as Reclamações 70.191 e 61.944, em que a 1ª Turma do STF considerou legítimos relatórios feitos por solicitação. Com a suspensão do julgamento, a Corte volta os olhos à necessidade de unificar a jurisprudência para trazer previsibilidade à atuação de órgãos de investigação.

Outro indício de mudança na posição da 2ª Turma foi a decisão de Toffoli na Reclamação 74.306, em que ele cassou decisão do STJ que havia invalidado o uso de dados financeiros obtidos pela PF em uma investigação preliminar. Na ocasião, Toffoli entendeu que o pedido atendeu aos parâmetros estabelecidos em 2019 pelo STF para o compartilhamento de dados sigilosos.

O histórico de decisões da 2ª Turma revela resistência ao uso de relatórios por encomenda, como ocorreu no caso do senador Flávio Bolsonaro em 2021, quando a Turma considerou ilegais os RIFs solicitados pelo MP do Rio ao Coaf. Entretanto, a própria produção desses relatórios segue em crescimento: apenas em 2024, o Coaf elaborou 18.762 RIFs — média de 51 por dia — e o número de pedidos cresceu 1.300% na última década.

A indefinição atual afeta diretamente o trabalho da Justiça criminal e dos tribunais superiores. No STJ, por exemplo, as turmas penais mantêm entendimentos divergentes. A 5ª Turma reconhece a validade dos relatórios se houver inquérito instaurado, enquanto a 6ª Turma tende a considerá-los ilícitos. A 3ª Seção da Corte já afetou um recurso repetitivo sobre o tema, mas a palavra final deve vir do STF.

Caso a 2ª Turma do Supremo acompanhe Fachin, pode-se consolidar o entendimento de que o uso de relatórios por encomenda não exige autorização judicial, desde que respeitados os parâmetros constitucionais e garantidos os direitos dos investigados. Essa definição trará maior segurança jurídica e poderá alterar profundamente o modo como os órgãos de inteligência e investigação atuam em casos de crimes financeiros.