Artigo | Constitucional

Uma Corte “Política”: Pacheco Defende Mandato Fixo Para Ministros do STF

Uma proposta de emenda à Constituição que visa limitar o tempo de permanência dos ministros do Supremo Tribunal Federal no cargo divide opiniões e gera debate sobre os impactos na independência, na legitimidade e na representatividade da corte suprema brasileira.

Rony Torres

ARTIGO/MATÉRIA POR

Resumo:

  • Proposta de Emenda Constitucional (PEC): A PEC visa instituir um mandato fixo de oito anos para ministros do STF, sem recondução, apresentada pelo senador Plínio Valério em março de 2019.
  • Principais Aspectos da PEC: Além do mandato fixo, a proposta eleva a idade mínima para ingresso no STF de 35 para 45 anos e estabelece prazo de 30 dias para indicação de substitutos em caso de vacância.
  • Debate e Apoio Político: A polêmica em torno da PEC ganhou destaque com o apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Pacheco, gerando discussões sobre os argumentos favoráveis e contrários à mudança.
  • Comparação Internacional: A PEC se inspira em modelos adotados por países que possuem cortes constitucionais com mandatos limitados, apresentando diversidade de formas de escolha e duração dos mandatos.
  • Avaliação dos Impactos: A possível aprovação da PEC teria implicações na independência, legitimidade e representatividade do STF, suscitando debates sobre a escolha e substituição dos ministros e seu papel na democracia brasileira.

O mandato fixo para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) é uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que visa alterar o atual sistema de vitaliciedade dos membros da corte suprema brasileira. A PEC, apresentada pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM) em março de 2019, estabelece que os ministros do STF terão um mandato de oito anos, sem direito à recondução, e que o presidente da República deverá indicar os substitutos em caso de vacância dentro de um prazo de 30 dias. A proposta também eleva a idade mínima para ingresso no STF de 35 para 45 anos.

A polêmica sobre a referida PEC voltou aos holofotes após o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Pacheco, declarar apoio ao mandato fixo de ministros do STF.

Vamos, então, analisar os argumentos favoráveis e contrários à PEC do mandato fixo na suprema corte, bem como as implicações jurídicas, políticas e sociais que uma mudança dessa envergadura poderia oferecer. Para isso, será feita uma revisão bibliográfica sobre o tema, uma comparação com outros países que adotam sistemas diferentes de escolha e duração dos mandatos dos juízes constitucionais, e uma avaliação dos possíveis impactos da PEC na independência, na legitimidade e na representatividade do STF.

Revisão bibliográfica

Não é uma novidade essa PEC proposta em 2019, e muito menos a fala de Pacheco. A questão do mandato fixo para ministros do STF tem sido objeto de debate acadêmico e público há vários anos. Alguns autores defendem que o mandato fixo é uma forma de garantir maior rotatividade, renovação e diversidade na composição do STF, além de evitar a perpetuação de determinadas visões ideológicas ou jurisprudenciais na corte . Outros autores, porém, argumentam que o mandato fixo pode comprometer a independência, a imparcialidade e a autoridade dos ministros do STF, que estariam mais sujeitos às pressões políticas e às oscilações da opinião pública .

Além disso, há divergências sobre qual seria o tempo ideal de duração do mandato fixo, considerando os prós e contras de mandatos mais curtos ou mais longos. Mandatos mais curtos poderiam favorecer a atualização e a adaptação do STF às mudanças sociais e constitucionais, mas também poderiam gerar instabilidade e insegurança jurídica, devido à frequente alteração dos membros e dos entendimentos da corte. Mandatos mais longos, por outro lado, poderiam conferir maior estabilidade e continuidade ao STF, mas também poderiam tornar a corte mais distante e desconectada da realidade social e constitucional.

Outro aspecto relevante é a relação entre o mandato fixo e o processo de indicação dos ministros do STF pelo presidente da República, com aprovação do Senado Federal. Alguns autores sustentam que o mandato fixo poderia reduzir o poder e a influência do Executivo e do Legislativo sobre o STF, limitando a possibilidade de indicações políticas ou ideológicas . Outros autores, contudo, afirmam que o mandato fixo poderia aumentar o risco de politização e partidarização do STF, uma vez que os ministros indicados teriam um prazo determinado para atender aos interesses ou às expectativas de quem os nomeou.

Vejamos algumas figuras públicas e operadores do direito que já se manifestaram sobre o tema:

Alguns possíveis autores contra e a favor do mandato fixo para ministro do STF, com uma breve visão de cada um deles, são:

Comparação internacional

Lembrando que a vitaliciedade em cargos públicos é comum em vários setores da administração pública brasileira, mas chama especial atenção no judiciário, uma vez que servidores que adquirem a vitaliciedade, geralmente, passam por concurso público de provas e títulos enquanto os ministros do STF entram no cargo por indicação política do presidente da república e lá adquirem seu mandato vitalício.

A PEC do mandato fixo para ministros do STF se inspira em modelos adotados por outros países que possuem cortes constitucionais ou supremas cortes com mandatos limitados. Segundo um levantamento feito pela Organização das Nações Unidas (ONU), dos 193 países membros da organização, 116 possuem algum tipo de corte constitucional ou suprema corte, e desses, 74 têm mandatos fixos para os seus juízes. O tempo médio de duração dos mandatos é de 9,4 anos, variando de 4 a 18 anos.

Entre os países que adotam o mandato fixo, destacam-se alguns exemplos, como a Alemanha, a França, a Itália, a Coreia do Sul, a Colômbia e o México. Na Alemanha, os juízes do Tribunal Constitucional Federal têm um mandato de 12 anos, sem possibilidade de recondução, e são indicados pelo presidente da República, após eleição de metade dos membros pelo Bundestag (câmara baixa do Parlamento) e metade pelo Bundesrat (câmara alta do Parlamento).

Já na França, os juízes do Conselho Constitucional têm um mandato de 9 anos, sem possibilidade de recondução, e são indicados pelo presidente da República, pelo presidente da Assembleia Nacional e pelo presidente do Senado, cada um nomeando três membros. Para os italianos, os juízes da Corte Constitucional têm um mandato de 9 anos, sem possibilidade de recondução, e são indicados pelo presidente da República, pelo Parlamento em sessão conjunta e pelos órgãos de jurisdição ordinária e administrativa, cada um nomeando cinco membros.

Na Coreia do Sul, os juízes da Corte Constitucional têm um mandato de 6 anos, com possibilidade de recondução, e são indicados pelo presidente da República, pelo presidente da Assembleia Nacional e pelo presidente da Suprema Corte, cada um nomeando três membros. Na Colômbia, os juízes da Corte Constitucional têm um mandato de 8 anos, sem possibilidade de recondução, e são indicados pelo presidente da República, pelo Conselho de Estado e pela Suprema Corte de Justiça, cada um nomeando três membros, a partir de listas tríplices elaboradas pelo Senado. No México, os juízes da Suprema Corte de Justiça da Nação têm um mandato de 15 anos, sem possibilidade de recondução, e são indicados pelo presidente da República, a partir de uma lista tríplice elaborada pelo Senado, que também deve aprovar a nomeação.

Esses exemplos mostram que há uma grande diversidade de formas de escolha e de duração dos mandatos dos juízes constitucionais ou supremos nos países que adotam o mandato fixo. Além disso, há diferentes graus de participação e de controle dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário nesse processo, bem como de outros órgãos ou entidades da sociedade civil. Portanto, não há um modelo único ou ideal de mandato fixo, mas sim uma variedade de possibilidades que devem ser adaptadas à realidade e às características de cada país.

Avaliação dos impactos da PEC

A PEC do mandato fixo para ministros do STF, se aprovada, teria importantes impactos na estrutura e no funcionamento do STF, bem como na sua relação com os demais poderes e com a sociedade. Esses impactos podem ser avaliados sob três dimensões: a independência, a legitimidade e a representatividade do STF.

A independência do STF se refere à sua capacidade de exercer suas funções constitucionais de forma autônoma, livre de interferências ou influências externas, especialmente dos poderes políticos.

A PEC do mandato fixo poderia afetar positiva ou negativamente a independência do STF, dependendo de como se daria a escolha e a substituição dos ministros. Por um lado, o mandato fixo poderia reduzir o poder e a influência do presidente da República e do Senado Federal sobre o STF, limitando a possibilidade de indicações políticas ou ideológicas, e também diminuir o tempo de exposição e de vinculação dos ministros aos seus nomeadores. Por outro lado, o mandato fixo poderia aumentar o risco de politização e partidarização do STF, uma vez que os ministros indicados teriam um prazo determinado para atender aos interesses ou às expectativas de quem os nomeou, e também estariam mais sujeitos às pressões políticas e às oscilações da opinião pública.

A legitimidade do STF se refere ao seu reconhecimento e aceitação como órgão máximo de interpretação e de guarda da Constituição, tanto pelos demais poderes quanto pela sociedade. A PEC do mandato fixo poderia afetar positiva ou negativamente a legitimidade do STF, dependendo de como se daria a escolha e a substituição dos ministros. Por um lado, o mandato fixo poderia aumentar a rotatividade, a renovação e a diversidade na composição do STF, refletindo melhor as mudanças sociais e constitucionais, e também conferir maior transparência e previsibilidade ao processo de indicação e aprovação dos ministros. Por outro lado, o mandato fixo poderia diminuir a continuidade, a estabilidade e a autoridade do STF, gerando mais conflitos e incertezas jurídicas, e também reduzir a confiança e o respeito da sociedade pelo STF, que poderia ser visto como um órgão mais político do que jurídico.

A representatividade do STF se refere à sua capacidade de espelhar e de atender aos interesses e às demandas da sociedade, especialmente dos grupos minoritários ou vulneráveis. A PEC do mandato fixo poderia afetar positiva ou negativamente a representatividade do STF, dependendo de como se daria a escolha e a substituição dos ministros. Por um lado, o mandato fixo poderia favorecer a inclusão e a participação de diferentes segmentos sociais na composição do STF, ampliando a pluralidade e a diversidade de vozes e de perspectivas na corte. Por outro lado, o mandato fixo poderia restringir a autonomia e a competência do STF para defender os direitos e as garantias fundamentais da sociedade, especialmente dos grupos minoritários ou vulneráveis, que poderiam ser prejudicados por decisões políticas ou majoritárias.

Conclusão

O mandato fixo para ministros do STF é uma proposta de emenda à Constituição que tem como objetivo alterar o atual sistema de vitaliciedade dos membros da corte suprema brasileira. A proposta tem argumentos favoráveis e contrários, bem como implicações jurídicas, políticas e sociais, que devem ser analisados com cuidado e critério.

Lembrando que as falas de Pacheco em apoio ao projeto de emenda acontecem num contexto em que Legislativo e Judiciários estão em rota de colisão com constantes ataques sobre temas de interesse mútuo como o Marco legal indígena ou mesmo a tentativa de limitar as decisões monocráticas do STF por meio de revisão do legislativo.

Assim, não se pode interpretar a fala de Pacheco por um viés puramente acadêmico, é necessário entender o contexto político e a atual animosidade entre os dois poderes.

Essa PEC não é uma solução mágica ou definitiva para os problemas ou desafios do STF, mas sim uma possibilidade de mudança que deve ser debatida e avaliada com base em dados, evidências e experiências comparadas. O mandato fixo pode ter efeitos positivos ou negativos sobre a independência, a legitimidade e a representatividade do STF, dependendo de como se daria a escolha e a substituição dos ministros, e de como se articulam os demais fatores que influenciam o funcionamento e o papel do STF na democracia brasileira.

RONY DE ABREU TORRES

Rony Torres é graduado em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho. Advogado, Pesquisador do Tribunal Penal Internacional, Diretor jurídico do grupo Eugênio, Especialista em direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade Damásio de Jesus, Pós graduado em Direito Constitucional e administrativo pela Escola Superior de Advocacia do PI, Especialista em Direito Internacional pela UNIAMERICA, pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela ESA-PI, graduando em advocacia trabalhista e previdenciária pela ESA-MA