A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) deliberou, de forma unânime, a validação de uma convenção coletiva que permite o desconto salarial em situações de banco de horas negativo. A decisão, datada de 1º de março deste ano, foi proferida sob relatoria da ministra Maria Helena Mallmann.
O reconhecimento da legalidade dessa prática fundamenta-se na compreensão de que acordos coletivos prevalecem sobre a legislação, conforme alterações introduzidas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) pela reforma trabalhista de 2017. O posicionamento do TST alinha-se à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), o qual, em um caso de repercussão geral, confirmou a constitucionalidade da norma que autoriza a redução de direitos trabalhistas mediante pactuação em convenção ou acordo coletivo.
Especialistas destacam que a decisão do TST estabelece um precedente, mas não se configura como regra geral, não sendo aplicável em acordos individuais. O advogado Ricardo Pereira de Freitas Guimarães, doutor em direito do trabalho, ressalta a possibilidade dessa negociação coletiva, conforme esclarecido pelo TST, mas salienta a necessidade de avaliação caso a caso.
O processo em questão refere-se a uma convenção coletiva estabelecida em Londrina (PR), entre a PZL Indústria Eletrônica Ltda. e o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Londrina e Região. Conforme a convenção, o empregado deve cumprir jornada de oito horas diárias e 44 horas semanais. Em caso de déficit no banco de horas, há a possibilidade de desconto salarial correspondente ao período devido após 12 meses, ou em situações de demissão ou dispensa motivada.
Da mesma forma, em casos de saldo positivo, a convenção permite a compensação das horas trabalhadas posteriormente, com folga, ou o pagamento de horas extras com adicional de 50%, em conformidade com a Constituição.
O Ministério Público do Trabalho (MPT) no Paraná contestou a convenção coletiva, buscando invalidar seus efeitos e pleiteando indenização por danos morais coletivos. O MPT fundamentou sua objeção no princípio “in dubio pro misero”, argumentando a favor do trabalhador em casos de interpretações divergentes.
O acórdão destaca que o MPT alegou que os descontos nos salários, em situações de banco de horas negativo, acarretam prejuízos aos trabalhadores, citando decisões de outros tribunais regionais que consideram inadmissível a transferência dos ônus da atividade econômica para os trabalhadores e declaram nulas cláusulas coletivas dessa natureza.
Entretanto, diferentes instâncias da Justiça do Trabalho refutaram essa argumentação. O TST revisou seu entendimento anterior, que vetava o desconto, e alinhou-se à posição do STF, reafirmando a validade dos acordos coletivos, mesmo quando implicam em limitações de direitos.
Dessa forma, o TST considera que o desconto em salários, por si só, não contraria a Constituição Federal, tratados internacionais ou normas de medicina e segurança do trabalho. A decisão ressalta a oportunidade dada ao trabalhador de compensar as faltas e atrasos no período de 12 meses antes da efetivação do desconto em folha de pagamento. Não há indícios de má-fé por parte do empregador, que, segundo o TST, não oculta o saldo negativo do banco de horas nem impede a compensação do débito.
A advogada Cíntia Fernandes, sócia do Mauro Menezes & Advogado, destaca que o TST já havia confirmado, em dezembro, uma decisão regional que autoriza o desconto salarial em casos de banco de horas negativo, sem, no entanto, discutir o mérito da questão. Ela ressalta que as convenções podem conter cláusulas desse tipo, desde que não prevejam a supressão de direitos indisponíveis, como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Direitos indisponíveis permanecem válidos independentemente da vontade do trabalhador, uma vez que, uma vez estabelecida a norma coletiva, mesmo não sendo totalmente favorável ao empregado, mantém sua validade durante o período determinado. O desconto não afeta verbas como o FGTS e o 13º salário, por exemplo.