
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem desempenhado papel decisivo na efetivação dos direitos dos povos indígenas no Brasil, reforçando garantias constitucionais e internacionais e contribuindo para a proteção dessas comunidades historicamente vulneráveis. A Constituição de 1988, juntamente com tratados como a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, assegura aos povos originários o acesso igualitário e sem discriminação a serviços de saúde e assistência social. No âmbito interno, a Lei 9.836/1999 instituiu o Subsistema de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, incorporado ao SUS, como ferramenta central na promoção da saúde dessas populações.
Decisões recentes do STJ demonstram como o Judiciário vem garantindo a aplicação concreta desses direitos. Um exemplo é a Súmula 657, editada em 2023, que reconhece o direito de indígenas menores de 16 anos ao salário-maternidade, desde que comprovem a condição de segurada especial e cumpram a carência exigida. A Corte fundamentou o entendimento em precedentes como o REsp 1.650.697, destacando que o ordenamento jurídico nacional e internacional visa proteger esses grupos contra a exclusão e o agravamento de sua situação social. Para o STJ, impedir o acesso de jovens indígenas a benefícios previdenciários, com base na vedação ao trabalho infantil, seria violar direitos fundamentais.
Outro caso relevante diz respeito à responsabilidade pelo saneamento básico em comunidades indígenas. No julgamento do AREsp 2.383.605, a Primeira Turma do STJ decidiu que estados, além da União, podem ser responsabilizados judicialmente pelo fornecimento de água potável, coleta de lixo e saneamento em terras indígenas. A decisão reforçou a ideia de atuação conjunta entre os entes federativos, especialmente em ações voltadas à saúde indígena, como prevê a legislação sanitária brasileira.
A Corte também consolidou o entendimento de que não pode haver discriminação entre indígenas aldeados e aqueles que vivem fora das reservas. Em 2009, no julgamento do REsp 1.064.009, foi garantido o direito à assistência médico-odontológica a indígenas não residentes em aldeias, afastando a tese de que apenas os aldeados teriam acesso aos serviços prestados pela Funasa. O relator da ação destacou que a condição de indígena não está vinculada ao local de moradia e que excluir esses indivíduos dos serviços seria ignorar a realidade de deslocamento e mobilidade dessas populações.
Além disso, em 2021, o STJ reconheceu a legitimidade do Ministério Público Federal para propor ação de indenização por falha na prestação de serviços de saúde que resultou na morte de uma criança indígena. No AREsp 1.688.809, a relatora entendeu que a atuação do MPF é amparada pela Constituição e pela legislação complementar, especialmente em casos que envolvam interesse social relevante, como a dignidade humana e a proteção à saúde de povos indígenas.
Por fim, o STJ também afastou a responsabilidade exclusiva da Funai pelo fornecimento de energia elétrica a unidades escolares e de saúde em comunidades indígenas. No julgamento do REsp 1.672.855, a Corte reforçou que a execução de políticas públicas voltadas aos indígenas deve ser compartilhada entre União, estados e municípios. A decisão destacou que a ausência de comprovação de que a Funai havia solicitado diretamente os serviços de energia inviabilizava a atribuição exclusiva de responsabilidade à autarquia.
As decisões do STJ fortalecem a proteção jurídica dos povos originários e evidenciam a necessidade de políticas públicas intersetoriais e integradas. Ao reconhecer direitos, garantir o acesso à Justiça e impor obrigações ao poder público, o Judiciário tem contribuído para assegurar que os indígenas não apenas sobrevivam, mas vivam com dignidade e respeito às suas identidades culturais.