A possibilidade de alteração de sobrenomes em certidões de nascimento e casamento para incluir referências à raça, etnia, religiosidade ou ancestralidade africana, bem como a supressão do sobrenome originalmente atribuído, foi ratificada pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF) especializado em direitos humanos.
O entendimento foi expresso em despacho assinado pelo Grupo de Trabalho “Liberdades: Consciência, Crença e Expressão”, encaminhado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que está avaliando a possibilidade de emitir um ato normativo sobre o tema. O GT justifica que essa alteração respeita o princípio da dignidade humana e assegura o direito à personalidade, considerando o apagamento histórico da cultura e ancestralidade africana durante o período de escravidão no Brasil.
A PFDC emitiu sua posição a pedido da Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ, que está analisando uma solicitação do Comitê de Diversidade do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão (TJMA) para a elaboração de um ato normativo que permita a inclusão de sobrenomes relacionados à raça, etnia e religiosidade em documentos de nascimento de afrodescendentes, mediante solicitação do interessado. Essa demanda surgiu de um maranhense que deseja mudar seu nome de Adomair da Silva para Adomair Oluwafemi Ogunbiyi, removendo o sobrenome “da Silva” de seus documentos, e adotando um nome de origem Yoruba, da Nigéria.
O Grupo de Trabalho examinou dispositivos da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73) para fundamentar seu parecer. O artigo 55 da lei permite a inclusão de sobrenomes de ascendentes, além dos pais, mediante solicitação do interessado, evidenciando a preocupação legislativa em reconhecer a ancestralidade das pessoas. O artigo 56 garante a possibilidade de alteração do prenome, inclusive de forma extrajudicial, após a maioridade civil, aos 18 anos.
O GT destaca a importância do prenome e do sobrenome na identificação e valorização das origens e cultura de cada indivíduo. Para os afrodescendentes, cujas origens foram frequentemente apagadas devido à escravidão, o grupo argumenta que é compreensível que muitos não se identifiquem com seus sobrenomes atuais, dados os contextos históricos.
O despacho sugere que, na ausência de documentação que comprove o sobrenome ancestral, os cartórios possam utilizar elementos relacionados à raça, etnia ou religiosidade para compor o novo sobrenome, conforme solicitação do interessado. O GT também defende que a possibilidade de exclusão do sobrenome original seja assegurada, mantendo-se registros para consulta pública e preservando a numeração original dos documentos.
Em suma, o documento do GT argumenta que a modificação dos sobrenomes de afrodescendentes é um imperativo constitucional no combate ao racismo e na promoção da dignidade humana, devendo ser garantida tanto a inclusão quanto a exclusão de sobrenomes para adequar a identificação civil à ancestralidade e cultura do requerente. Caso o ato normativo do CNJ não aborde a exclusão do sobrenome original, o assunto deve ser levado ao Congresso Nacional e à Presidência da República para análise e eventual adoção de norma legal.