No entendimento da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é incumbência do juízo fundamentar de forma individualizada, razoável e proporcional o período de prisão civil decorrente do não cumprimento da obrigação alimentar. O colegiado concluiu que a fundamentação, essencial em qualquer medida coercitiva contra a pessoa, impede que o tempo de restrição da liberdade seja estabelecido de maneira indiscriminada pelo juízo.
Nesse sentido, a turma julgadora determinou que o tempo mínimo de prisão de um devedor de alimentos seja de um mês. No entanto, no decreto de prisão original, o juízo havia apenas indicado um prazo de três meses, sem apresentar justificativa específica para essa duração.
“Não se pode admitir que uma decisão superficial e imotivada, com a mera escolha discricionária do magistrado, venha a definir o tempo de restrição de liberdade de qualquer pessoa, sob pena de se incorrer em abuso do direito e arbítrio do magistrado, impedindo a ampla defesa e o contraditório pelo devedor, além de inviabilizar o controle das instâncias superiores pelas vias recursais adequadas”, afirmou o relator do recurso em habeas corpus, ministro Raul Araújo.
Apesar disso, o decreto prisional foi mantido em segunda instância, com base na alegação de que não há ilegalidade se a decisão respeitar o prazo máximo de três meses estabelecido no artigo 528, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil (CPC).
O ministro Raul Araújo enfatizou que a motivação das decisões judiciais, conforme previsto no artigo 93, IX, da Constituição Federal, é um elemento essencial de proteção e garantia da liberdade, além de servir como instrumento de limitação do poder estatal.
“Visando dar concretude aos ditames constitucionais é que o Código de Processo Civil de 2015 dispôs, de forma expressa, sobre o dever de fundamentação analítica e adequada de todas as decisões judiciais (artigo 489, parágrafo 1º), em substituição ao livre convencimento e em repulsa às interpretações arbitrárias e solipsistas’’, complementou o ministro.
Apesar dessas diretrizes, o ministro Raul Araújo observou que tem havido divergências nos tribunais brasileiros quanto à necessidade de fundamentação do decreto de prisão civil em relação ao tempo de encarceramento, isto é, se é necessário haver uma espécie de “dosimetria” ou se o período está sujeito à discricionariedade do juízo.
O relator destacou que a prisão civil é um instrumento legal para compelir o devedor de alimentos a cumprir sua obrigação de forma mais célere. Como qualquer medida coercitiva, ressaltou o ministro, é necessário haver uma justificativa adequada para sua imposição, especialmente porque envolve direitos fundamentais da pessoa executada.
“Nessa perspectiva, deve prevalecer o dever de fundamentação analítica e adequada de toda decisão determinante de prisão civil do devedor de alimentos, seja quanto ao preenchimento dos requisitos – requerimento do credor; existência de débito alimentar que compreenda até três prestações anteriores ao ajuizamento da execução; não pagamento do débito em três dias; ausência de justificação ou de impossibilidade de fazê-lo –, seja quanto à definição do tempo de constrição de liberdade entre o mínimo e o máximo (um a três meses) estabelecidos pela legislação”, detalhou.
Dentre os elementos que podem orientar o juízo na determinação do tempo de prisão, o ministro citou a capacidade econômica do devedor e o valor da dívida; o comportamento do devedor (se age de boa-fé ou se é reincidente); as características pessoais (se está desempregado, se tem outros filhos ou é doente); e as consequências do não pagamento para o alimentando (abandono de escola ou danos à saúde, por exemplo).