
A necessidade de um novo estatuto jurídico para a Advocacia-Geral da União (AGU) volta à tona, mais de uma década após os primeiros ensaios sobre o tema. O debate gira em torno da construção de uma identidade própria para a advocacia pública federal, com inspiração nas prerrogativas previstas no Estatuto da OAB, incluindo o direito aos honorários advocatícios e o exercício pleno da atividade jurídica. Tais honorários, antes considerados patrimônio da União, foram reconhecidos como direito dos advogados públicos federais por meio de legislações específicas como o novo Código de Processo Civil, a Lei 14.233/2016 e o próprio Estatuto da Advocacia.
O reconhecimento legal do exercício da advocacia por membros da AGU também foi reiterado por leis como a 11.890/2008 e a 13.328/2016, que vedam o exercício de atividades que possam gerar conflitos de interesse, mas autorizam, em determinadas hipóteses, a prática da advocacia dentro dos limites do cargo. Essa autorização, entretanto, precisa ser regulamentada pelo advogado-geral da União, mediante provocação das entidades de classe, e poderia vir acompanhada de uma indenização para os que não desejarem exercer esse direito, conforme já ocorre em alguns estados.
Tramita na Câmara o Projeto de Lei nº 5.531/2016, que avança nesse processo de consolidação estatutária da AGU, com apoio unânime das seccionais da OAB e do Conselho Federal, demonstrando o amadurecimento institucional da pauta. Ainda que leis ordinárias tenham sido responsáveis por importantes avanços, como a consolidação da carreira de procurador federal, é chegada a hora de tratar da questão por meio de norma de maior densidade jurídica — uma Lei Complementar que contemple a AGU em sua plenitude constitucional.
O caput do artigo 69 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) remanesce como referência normativa, permitindo a continuidade de funções jurídicas descentralizadas até que sejam aprovadas as leis complementares necessárias. Embora os antigos cargos autárquicos tenham sido transformados em procurador federal por força da MP 2.229-43/2001, o comando constitucional ainda não foi plenamente efetivado.
A unificação das carreiras jurídicas da AGU surge, portanto, como solução eficiente diante da multiplicidade de funções e estruturas sobrepostas. A lógica de divisão entre PGFN, PGU, PGF e PGBACEN pode ser superada por uma única carreira de procurador da União, tal como ocorre no Judiciário com os juízes de Direito que atuam em diferentes órgãos e instâncias. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 2.713/DF, reconheceu a identidade funcional e remuneratória entre os cargos da AGU, reforçando a tese da unificação.
A pluralidade de carreiras provoca retrabalho desnecessário: processos contra a União e suas autarquias são defendidos por diferentes advogados públicos, quando poderiam ser conduzidos por um único profissional. Isso onera o Estado e fragiliza a ideia de uma advocacia pública racional e eficiente. Além disso, a evasão de quadros e os altos índices de vacância sugerem uma reestruturação, inclusive com a criação de uma carreira de apoio jurídico.
Uma carreira única permitiria a racionalização dos serviços, a distribuição mais equânime das demandas e o fortalecimento institucional da AGU. A proposta, inspirada na organização do Judiciário e já parcialmente implementada com a criação da Procuradoria-Geral Federal por Gilmar Mendes, prevê uma carreira escalonada que contemple todos os ramos da AGU, com cargos superiores como o de subprocurador-geral da União. Essa mudança não só reforça o mérito como critério de progressão, mas também dá coesão funcional à advocacia pública federal, cuja atuação extrajudicial, consultiva e institucional é cada vez mais estratégica para o Estado.
A criação de um estatuto constitucional da AGU e a unificação de suas carreiras representariam um marco jurídico e administrativo. Trata-se de uma reforma estrutural que demanda coragem, articulação política e visão institucional. O legado de quem liderar esse processo será permanente, como já foi o de Gilmar Mendes à frente da criação da PGF. Agora, cabe ao Congresso, ao Executivo e à própria categoria decidir que advocacia pública federal querem construir para as próximas décadas.