Em um julgamento realizado pela 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, a desembargadora Adriana Goulart de Sena Orsini examinou o caso concernente a um vaqueiro portador de deficiência mental, submetido a um tratamento severo e privações ao longo de um período de doze anos em uma propriedade rural. Em consonância com o parecer da relatora, os magistrados mantiveram a sentença que reconheceu a existência de um vínculo empregatício rural entre as partes e impuseram aos proprietários da fazenda o ônus de pagar uma indenização por danos morais no montante de R$ 50 mil.
Vínculo Laboral
Na 2ª Vara do Trabalho de Governador Valadares/MG, a juíza Luciana de Carvalho Rodrigues ratificou a existência de uma relação de emprego entre as partes, determinando que o casal pagasse a quantia de R$ 50 mil ao vaqueiro. Os proprietários interpuseram recurso junto ao Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, buscando reformar a decisão.
Os fazendeiros reconheceram a contratação do trabalhador, contudo alegaram que se tratava de um contrato de parceria, especificamente na modalidade de arrendamento. Ademais, afirmaram não ter apresentado o contrato em virtude de um suposto roubo, conforme boletim de ocorrência anexado aos autos, entretanto, a desembargadora constatou que o referido documento não faz menção ao alegado furto.
O único comprovante que menciona o suposto arrendamento consiste em uma folha de caderno manuscrita, sem data ou assinatura, tida como destituída de valor probatório pela relatora. Com base nas provas testemunhais, concluiu-se que o trabalhador foi contratado para desempenhar serviços agrícolas diversos, incluindo reparos de cercas, cultivo, cuidado com o gado, tarefas gerais na fazenda, assistência na colheita de cana, residindo em um alojamento adjacente ao local de trabalho.
Nesse contexto, desembargadora inferiu que o acordo envolvia a troca da mão de obra do reclamante por alojamento e alimentação, o que foi corroborado pelos fazendeiros em seu depoimento. Destacou-se que tal modalidade de pactuação constitui uma prática prejudicial, pois os proprietários se aproveitaram da “situação de extrema vulnerabilidade” do trabalhador, submetendo-o a uma “condição de total sujeição ao seu empregador”.
Com base nos depoimentos dos fazendeiros, a desembargadora concluiu que os serviços prestados pelo trabalhador não correspondiam ao escopo de um “contrato de arrendamento”, ratificando, desse modo, o reconhecimento da relação de emprego.
Obtenção de Vantagens Ilícitas
A sentença considerou que o dano moral decorreu da exploração da condição mental do trabalhador rural com o intuito de alcançar vantagens ilícitas. No recurso, o casal refutou essa fundamentação, alegando serem pequenos produtores rurais no segmento de laticínios.
Na petição inicial, o trabalhador descreveu condições laborais precárias, incluindo situações análogas à escravidão, restrições de movimento e tratamento áspero por parte dos empregadores. Alegou ser absolutamente incapaz, alcoólatra crônico, viciado e incapaz de exprimir sua própria vontade”.
A desembargadora constatou que os documentos anexados corroboravam o estado debilitado de saúde mental do trabalhador. O parecer médico diagnosticou deficiência mental, ausência de instrução e criação em “circunstâncias similares à escravidão, sem remuneração ou renda”. Uma decisão do Poder Judiciário comum designou sua mãe como curadora, e uma avaliação médica constatou “retardo mental”.
Além disso, ressaltou as dificuldades do trabalhador em compreender e contextualizar os fatos, evidenciando sua fragilidade. Concluiu que o trabalhador padece de deficiência mental, o que o coloca em uma condição de extrema vulnerabilidade, e que os fazendeiros, “remunerando-o” com comida, alojamento, cigarros e bebidas, o submeteram a seu total arbítrio.
Citando dispositivos legais internacionais, a relatora enfatizou o direito de todos a exercer um trabalho escolhido ou aceito livremente, com uma remuneração justa e satisfatória. Destacou que a ausência de pagamento salarial implica em uma restrição completa da autonomia do trabalhador e uma mitigação de sua liberdade de movimento.
Embora a sentença não tenha reconhecido a privação de liberdade, a relatora concluiu que o casal se aproveitou da condição do trabalhador para violar seus direitos, mantendo, portanto, a sentença integralmente, incluindo a indenização por danos morais de R$ 50 mil.
Com informações Migalhas.