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TRF-3 mantém ação contra ex-médico legista acusado de ocultação de cadáver na ditadura

O ministro Flávio Dino, relator do caso no STF, destacou que a continuidade do crime impede que familiares exerçam o direito ao luto e mantém uma situação de flagrante delito.

Foto: Reprodução.


O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) decidiu manter a ação penal contra o ex-médico legista José Manella Netto, acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de envolvimento na ocultação do cadáver do militante político Carlos Roberto Zanirato, morto em 1969 durante a ditadura militar. A decisão da 4ª Seção do Tribunal afastou a aplicação da Lei da Anistia (Lei 6.683/79), sob o entendimento de que o crime continua em curso, já que o paradeiro da vítima ainda é desconhecido.

Zanirato desapareceu após ser capturado por agentes do Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops/SP) e submetido a torturas. Seu corpo nunca foi localizado. Manella Netto, que atuava no Instituto Médico-Legal (IML) de São Paulo, é acusado de falsificar o laudo necroscópico, omitindo os sinais de agressões sofridas pela vítima e contribuindo para sua identificação como indigente. O MPF argumenta que a ocultação do cadáver permanece até os dias atuais, o que impede a prescrição do crime e afasta os efeitos da anistia concedida a crimes políticos da ditadura.

Na decisão, o TRF-3 reafirmou que crimes permanentes, como a ocultação de cadáver, continuam sendo praticados enquanto o corpo não for encontrado, o que os coloca fora do alcance da anistia e impede a prescrição. O entendimento segue a jurisprudência consolidada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que recentemente reconheceu repercussão geral sobre a aplicação da Lei da Anistia a crimes dessa natureza. O ministro Flávio Dino, relator do caso no STF, destacou que a continuidade do crime impede que familiares exerçam o direito ao luto e mantém uma situação de flagrante delito.

Além da ação penal, Manella Netto já havia sofrido sanções administrativas. Em 1994, teve o registro profissional cassado pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), após admitir que o atropelamento indicado no laudo necroscópico não justificava todas as lesões da vítima. Com a decisão do TRF-3, o ex-legista continuará respondendo ao processo e poderá ser responsabilizado pelo crime, que integra um contexto mais amplo de repressão sistemática do Estado brasileiro durante a ditadura militar.