No cenário educacional brasileiro, uma parcela significativa dos municípios não tem atendido aos requisitos estabelecidos pela Lei 10.639 de 2003, que impõe a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira nas disciplinas já integradas às grades curriculares do ensino fundamental e médio. A norma também consagra o dia 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra no calendário escolar. Essa constatação é resultado de um estudo conduzido pelo Instituto Alana e pelo Geledés Instituto da Mulher Negra em 2022, que ouviu 1.187 gestores das secretarias municipais de educação, representando 21% das redes de ensino.
Segundo o referido levantamento, 70% das secretarias municipais de educação não implementaram ações significativas ou tomaram providências mínimas para cumprir a legislação. A pesquisa destaca que as administrações municipais desempenham um papel fundamental na promoção da educação básica. Dentre as secretarias abordadas, 29% demonstraram ações consistentes e contínuas em conformidade com a Lei 10.639, enquanto 53% realizaram atividades periódicas com projetos isolados em datas esporádicas. Por outro lado, 18% não promoveram qualquer tipo de ação no sentido de cumprir a lei.
O senador Paulo Paim (PT-RS) apresentou essas conclusões durante uma audiência pública interativa realizada na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) no Senado, que discutiu os 20 anos de vigência da referida lei. Ele ressaltou a importância da legislação como uma ferramenta essencial para combater o racismo no Brasil e como um reconhecimento da história do movimento negro no país, marcada por um dos capítulos mais sombrios da humanidade, a escravidão.
Zara Figueiredo, professora da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e atual titular da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação (Secadi), adiantou que o governo federal planeja lançar, ainda este ano, uma política nacional de educação visando à efetiva implementação da legislação. Ela considera a Lei 10.639 como uma ação afirmativa no contexto da educação básica, que redefine a história da formação do Estado e da sociedade em novos termos e dimensões.
O problema identificado no contexto da Lei 10.639 é semelhante a outras legislações no Brasil, onde existe uma lacuna significativa entre o enquadramento legal e sua implementação efetiva. Zara Figueiredo ressalta a necessidade de ir além da dimensão curricular, transformando a lei em uma política de educação do Estado.
João Marcelo Borges, pesquisador do Centro de Desenvolvimento da Gestão Pública e Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas, enfatizou que é surreal a necessidade de se criar uma legislação para incluir o estudo da cultura afro-brasileira no currículo escolar, dado o papel crucial desempenhado por esses povos na construção da identidade nacional. Ele destacou as profundas desigualdades sociais existentes no Brasil e a necessidade de avançar em políticas de inclusão.
Lucimar Rosa Dias, Diretora de Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola do Ministério da Educação, reconheceu os 20 anos de existência da lei, mas também enfatizou a necessidade de avanços para alcançar uma educação sem racismo. Ela destacou a importância de promover o acesso à educação infantil como um meio de promover a justiça social.
Wilma de Nazaré Baía Coelho, professora e pesquisadora da Universidade Federal do Pará (UFPA), apontou a dificuldade de transformar o conhecimento produzido nas universidades em políticas estruturais nos cursos de formação inicial de professores. Ela ressaltou a importância de capacitar os professores para lidar com questões relacionadas ao racismo e à discriminação em sala de aula.
Odair Marques da Silva, professor e doutor em Ciências da Cultura, enfatizou a necessidade de todos os órgãos do Executivo, Legislativo e Judiciário se envolverem na promoção da implementação da Lei 10.639. Ele observou a presença de estereótipos em relação à África nos materiais didáticos e a importância de superá-los.
Michael França, professor e pesquisador do Insper, destacou a persistência das desigualdades raciais no mercado de trabalho e a necessidade de repensar as políticas públicas para promover uma sociedade mais inclusiva.
Em suma, a audiência pública na CDH do Senado destacou a relevância da Lei 10.639 e a necessidade de superar os desafios para garantir a sua efetiva implementação, bem como promover uma sociedade mais inclusiva e igualitária.
Fonte: Alepi.