A Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPE/SP), por meio de seu Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (NUDEM), propôs ação civil pública contra o Estado de São Paulo, alegando deficiência na divulgação de informações pertinentes ao aborto legal em canais oficiais de comunicação, bem como a falta de capacitação dos hospitais e profissionais de saúde para a realização desse procedimento. A Defensoria solicita que o Estado seja compelido a fornecer informações apropriadas e a capacitar seus profissionais de saúde.
De acordo com a petição inicial, a Secretaria Estadual de Saúde do Estado de São Paulo, em desobediência à obrigação de transparência ativa, não disponibiliza informações precisas sobre o aborto legal em suas plataformas virtuais. A DPE/SP argumenta que a falta de informações apropriadas dificulta o acesso ao procedimento e viola os direitos fundamentais das mulheres, incluindo a autonomia, dignidade, saúde e cidadania.
A instituição alega ter tentado entrar em contato com a Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, oferecido recomendações e buscado agendar reuniões, sem obter resposta. Diante disso, considerou necessário recorrer ao Poder Judiciário para abordar a questão.
A Defensoria argumenta que a ausência de informações sobre o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos equivale a uma violação do direito à saúde.
A petição inicial menciona que o NUDEM realizou visitas a pelo menos 10 hospitais cadastrados como habilitados para efetuar o aborto legal a partir de março de 2023. Estima-se que esses hospitais representem aproximadamente 50% do total de instituições autorizadas a realizar esse procedimento no Estado.
Após as inspeções, a Defensoria constatou que esses hospitais são referência para diversos municípios, mas realizam poucos procedimentos. A instituição acredita que a falta de informações adequadas pode estar ligada à baixa taxa de interrupção de gravidez.
A DPE/SP identificou que os profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) apontaram dois principais obstáculos para a realização do aborto legal no Brasil: a escassez de profissionais capacitados para executar o procedimento e a falta de conhecimento da legislação.
As visitas do NUDEM aos hospitais revelaram que a maioria deles não oferece treinamento e formação para os profissionais, tanto em relação à legislação quanto às técnicas para a realização do procedimento. Foi observado que vários hospitais ainda realizam o aborto por curetagem, prática não recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) há mais de uma década. Além disso, os profissionais demonstraram dúvidas quanto à existência de limites gestacionais para a realização do aborto.
A Defensoria argumenta que, nos últimos anos, diversas portarias do Ministério da Saúde que regulamentavam a interrupção da gravidez em casos de violência sexual foram revogadas, gerando confusão entre os profissionais de saúde.
Por exemplo, em 2022, o Ministério da Saúde publicou um documento que afirmava que “todo aborto é crime e que o procedimento de abortamento somente pode ser realizado até a 22ª semana gestacional, sendo necessário realizar um parto prematuro após esse período”. Embora esse material tenha sido retirado de circulação, a DPE/SP alega que as informações contidas nele ainda podem ter afetado a prática dos profissionais de saúde, criando um ambiente de “coerção e medo”.
A Defensoria argumenta que é essencial que o Estado forneça orientações claras e atualizadas aos profissionais de saúde, de acordo com as novas diretrizes técnicas do Ministério da Saúde e as evidências científicas sobre o assunto.
A legislação brasileira autoriza o aborto em três situações: quando não há outra opção para salvar a vida da gestante (conforme o artigo 128, inciso I do Código Penal), em casos de gravidez resultante de estupro (conforme o artigo 128, inciso II do Código Penal) e em casos de anencefalia (conforme a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54).
Além das disposições constitucionais que reconhecem a saúde como um direito fundamental e das permissões legais para o aborto, a DPE/SP invoca a Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde (SUS), a Lei do Minuto Seguinte e o Decreto Federal 7.958/13 como fundamentos para sua ação.
A Defensoria Pública de São Paulo solicita, no mérito, que o Estado seja obrigado a:
- Publicar em posição destacada e de fácil acesso no site da Secretaria de Saúde listas atualizadas de serviços e unidades hospitalares que oferecem suporte ao aborto legal, incluindo informações de contato;
- Publicar anualmente no site da Secretaria de Saúde o número de abortos legais realizados, especificando as bases legais;
- Fornecer capacitação aos profissionais de saúde encarregados de atender mulheres e meninas que necessitem do aborto legal, com base nas melhores evidências científicas e nas recomendações e diretrizes do Ministério da Saúde, especialmente em relação à inexistência de limites gestacionais para a interrupção da gravidez em conformidade com a lei.
Fonte: Migalhas.