
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou entendimento de que o prazo de carência estabelecido em planos de recuperação judicial aprovados e homologados antes da entrada em vigor da nova Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei nº 14.112/2020) deve ser respeitado, não sendo afetado pelas novas disposições legais sobre supervisão judicial.
O colegiado do STJ, ao analisar um caso envolvendo a recuperação judicial da rede Hotéis Othon, considerou que, embora a nova lei tenha aplicação imediata aos processos pendentes, o artigo 14 do Código de Processo Civil resguarda os atos processuais já praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a égide da legislação anterior.
No caso em questão, o plano de recuperação judicial da rede hoteleira, aprovado e concedido antes da vigência da nova lei, previa um prazo de carência de quatro anos para o início do pagamento da maior parte de suas dívidas. A lei original de 2005 (Lei nº 11.101/2005) estabelecia que o devedor permaneceria em recuperação judicial até o cumprimento de todas as obrigações previstas no plano com vencimento em até dois anos após a decisão de concessão. Com a nova legislação, o artigo 61 passou a permitir que o juiz mantivesse o devedor em recuperação até o cumprimento dessas obrigações, independentemente do período de carência.
Após a entrada em vigor da nova lei, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) determinou que o prazo de supervisão judicial da recuperação da Hotéis Othon deveria começar a correr independentemente do prazo de carência de quatro anos previsto no plano.
A Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), um dos credores da rede hoteleira, recorreu ao STJ, argumentando que a nova regra não se aplicava ao caso, uma vez que a recuperação judicial havia sido concedida sob a vigência da lei anterior. O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator do caso no STJ, acolheu os argumentos da Cedae, citando o artigo 14 do CPC e a teoria do isolamento dos atos processuais.
Apesar de concordar com a Cedae quanto à inaplicabilidade da nova regra de supervisão judicial, a Terceira Turma do STJ negou provimento ao recurso da estatal. Isso porque a Cedae também pleiteava a nulidade do prazo de carência de quatro anos concedido à Hotéis Othon. O relator considerou que esse prazo, aprovado pelos credores no plano de recuperação, não poderia ser alterado em virtude da teoria do isolamento dos atos processuais e da soberania da assembleia geral de credores.
O ministro Villas Bôas Cueva ressaltou que o TJ-RJ não poderia ter decidido sobre o início do prazo de supervisão judicial ou sobre o prazo máximo de carência previsto no plano, uma vez que essas questões são reservadas à deliberação dos credores. Ele concluiu que, mesmo não sendo aplicável a nova redação do artigo 61 da Lei nº 11.101/2005, a decisão do TJ-RJ deveria ser mantida, pois refletia a vontade dos credores ao aprovarem o plano de recuperação com o prazo de carência de 48 meses, sem qualquer ressalva quanto à prorrogação do termo inicial do prazo de supervisão judicial.