Nota | Consumidor

STJ determina cobertura de transplante de rim e pâncreas por plano de saúde, ainda que fora do rol da ANS

O acórdão destacou que, à luz da jurisprudência consolidada do STJ, a negativa de cobertura com base exclusiva na ausência do procedimento no rol da ANS revela-se ilegal quando preenchidos três requisitos: (i) existência de prescrição médica, (ii) inexistência de substituto terapêutico eficaz, e (iii) comprovação da imprescindibilidade do tratamento.

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A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou o entendimento de que o rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) possui natureza exemplificativa, ao decidir que operadora de plano de saúde deve arcar com os custos de transplante combinado de rim e pâncreas, indicado clinicamente e requerido por beneficiário inscrito na lista única nacional de transplantes.

A decisão, unânime, negou provimento ao recurso especial interposto pela operadora Notre Dame Intermédica Saúde S.A., mantendo o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ/RJ), que já havia reconhecido a abusividade da negativa de cobertura.


Controvérsia jurídica

O litígio teve origem na recusa da operadora em autorizar o procedimento de alta complexidade sob o argumento de que o transplante de órgãos provenientes de doador falecido não integra o rol taxativo da ANS. A empresa alegou, ainda, que o processo de alocação dos órgãos, por envolver diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), estaria fora do alcance contratual do setor privado.

O beneficiário, acometido por diabetes mellitus tipo 1 e insuficiência renal crônica terminal, já se encontrava devidamente registrado no Cadastro Técnico Único, condição que o habilitava à participação no sistema nacional de transplantes.


Fundamentação do acórdão

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, ressaltou que o fato de o transplante ser coordenado pelo Sistema Nacional de Transplantes (SNT) não impede sua execução por instituições privadas credenciadas e autorizadas. O acórdão destacou que, à luz da jurisprudência consolidada do STJ, a negativa de cobertura com base exclusiva na ausência do procedimento no rol da ANS revela-se ilegal quando preenchidos três requisitos: (i) existência de prescrição médica, (ii) inexistência de substituto terapêutico eficaz, e (iii) comprovação da imprescindibilidade do tratamento.

Adicionalmente, a ministra observou que os atos preparatórios e posteriores ao transplante são classificados como emergenciais, reforçando a obrigatoriedade contratual da cobertura nesses casos.


Relevância prática da decisão

O julgado contribui para a uniformização da interpretação judicial sobre o dever das operadoras de saúde de custear procedimentos não expressamente listados pela ANS, especialmente quando envolvem tratamentos salvadores de vida e cuja realização depende de critérios técnicos e legais já cumpridos pelo paciente.

A decisão oferece segurança jurídica aos beneficiários que, embora dependentes de estrutura pública para a alocação dos órgãos, contam com prescrição fundamentada e se encontram regularmente inscritos nos cadastros nacionais. Ao mesmo tempo, sinaliza um importante freio à utilização indevida do rol da ANS como justificativa para restrições assistenciais abusivas.


Base normativa aplicada

  • Lei nº 9.434/1997, art. 2º – Autoriza transplantes por instituições privadas devidamente credenciadas e autorizadas pelo gestor do SUS;
  • Lei nº 9.656/1998, art. 10, § 4º – Confere à ANS competência para regulamentar os procedimentos de cobertura obrigatória, sem excluir a incidência de outros tratamentos quando devidamente indicados;
  • Decreto nº 9.175/2017, art. 11 – Determina que transplantes possam ser realizados por hospitais privados com prévia autorização;
  • Resolução Normativa ANS nº 465/2021, arts. 19 e 20 – Garante cobertura de transplantes hospitalares com doador falecido, desde que observada a legislação aplicável;
  • Portaria GM/MS nº 04/2017, arts. 38 e 39 – Regula os critérios de inscrição e priorização no Sistema Nacional de Transplantes.