
O Supremo Tribunal Federal (STF) interrompeu, nesta segunda-feira (05/05), a análise em plenário sobre a manutenção ou não da suspensão de duas regras específicas da nova Lei das Bets (Lei nº 14.790/2023). As regras em questão restringem a concessão para exploração de serviços lotéricos a um mesmo grupo econômico em mais de um estado e limitam a publicidade das loterias estaduais ao público localizado dentro de seus respectivos territórios. A ministra Cármen Lúcia solicitou mais tempo para análise do caso, pedindo vista dos autos.
As disposições legais tiveram sua eficácia suspensa liminarmente em outubro do ano anterior por decisão do ministro Luiz Fux, relator do caso, atendendo a um pedido conjunto dos governadores de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso do Sul, Acre e Distrito Federal.
O referendo dessa decisão liminar foi pautado para votação no ambiente virtual do STF em 25 de abril. Até o momento do pedido de vista da ministra Cármen Lúcia, apenas os ministros Flávio Dino e o próprio relator, Luiz Fux, haviam proferido seus votos. Ambos se manifestaram pela manutenção da suspensão das regras até que o mérito da ação seja julgado em definitivo.
Contextualização do Caso
A Lei das Apostas Esportivas, como também é conhecida, foi sancionada nos últimos dias de 2023. A ação em análise no STF se restringe às modalidades de loterias tradicionais, como as de números, bilhetes numerados e instantâneas. As apostas de quota fixa, popularmente conhecidas como “bets”, são objeto de questionamento em uma ação judicial separada.
Paralelamente à discussão sobre a confirmação da liminar, o plenário do STF também está examinando o mérito da ação, ou seja, a constitucionalidade das regras contestadas. Essa análise, no entanto, encontra-se suspensa desde 10 de abril, quando a ministra Cármen Lúcia pediu vista dos autos pela primeira vez. Até então, cinco ministros já haviam se posicionado a favor da declaração de inconstitucionalidade de ambas as regras.
A ação questionando a constitucionalidade das restrições foi protocolada no ano anterior. Ainda em 2024, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, manifestou-se defendendo a validade dos trechos da lei que estão sendo contestados pelos governadores.
Os governadores argumentam que as limitações impostas pela nova lei tendem a reduzir o número de empresas interessadas nas licitações estaduais e a fomentar um ambiente de competição desigual entre os estados, onde aqueles com maior população ou maior poder aquisitivo se tornariam mais atrativos para as empresas, em detrimento dos estados menores.
Outro ponto central da argumentação dos governadores é a alegação de violação ao princípio da livre concorrência, uma vez que as loterias estaduais seriam impedidas de explorar plenamente seu potencial publicitário para atrair um público mais amplo.
Poucos dias antes da realização do leilão para a concessão dos serviços lotéricos no estado de São Paulo, o ministro Luiz Fux, relator do caso no STF, concedeu a liminar suspendendo as regras questionadas. Posteriormente, o plenário do Supremo iniciou a análise sobre a manutenção dessa liminar, mas o julgamento foi interrompido pelo primeiro pedido de vista da ministra Flávio Dino.
Votos Proferidos
O ministro relator, Luiz Fux, em seu voto, reafirmou os fundamentos que o levaram a conceder a liminar. Ele argumentou que a manutenção das restrições legais resultaria em um menor número de empresas interessadas nas licitações estaduais.
Para Fux, não existe uma justificativa razoável para restringir a concessão de serviços lotéricos a um mesmo grupo econômico em mais de um estado, destacando que tal limitação não encontra respaldo no artigo 175 da Constituição Federal, que trata das concessões e permissões para a prestação de serviços públicos.
O ministro também concordou com o argumento dos governadores de que empresas com maior capacidade técnica para prestar serviços eficientes seriam compelidas a competir pelas concessões apenas nos estados mais populosos e lucrativos. Isso, segundo ele, prejudicaria os estados menores, que perderiam potencial de arrecadação e seriam forçados a contratar empresas “tendencialmente menos qualificadas”.
Ademais, Fux considerou que a Lei das Bets, ao restringir a publicidade das loterias estaduais, “retira dos estados, sem qualquer justificativa razoável, a possibilidade de adotar estratégias publicitárias que melhor se adequem ao seu planejamento de negócios”.
O ministro Flávio Dino acompanhou o voto do relator pela manutenção da liminar, embora com algumas ressalvas em sua fundamentação. Ele reconheceu a possibilidade de que um mesmo grupo empresarial, com grande poder econômico e posição dominante no mercado, pudesse obter um grande número de concessões, levando a “práticas econômicas abusivas e prejudiciais aos usuários e aos consumidores”.
Por outro lado, Dino considerou que a regra que limita a atuação das concessionárias a apenas um estado é excessivamente restritiva — “excessivamente invasiva à autonomia federativa e à liberdade de iniciativa” — e desproporcional em relação a outras alternativas que poderiam ser adotadas para proteger a concorrência e os consumidores.