Em uma decisão unânime, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu, em sua sessão plenária de 17 de abril, que é permitido o uso de indumentárias religiosas que cubram a cabeça ou parte do rosto em fotografias de documentos oficiais de identificação. A análise do caso teve início em fevereiro de 2024, com a apresentação do relatório pelo ministro Luís Roberto Barroso, seguida de argumentações orais. O julgamento foi concluído na tarde de hoje.
No caso específico, uma ação civil pública foi proposta na instância original pelo Ministério Público Federal (MPF), em resposta à representação de uma freira da Congregação das Irmãs de Santa Marcelina. Ela foi proibida de usar seu hábito religioso na foto para a renovação de sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH). As fotos de seus documentos anteriores foram tiradas com o traje.
O MPF argumentou que a proibição imposta pelo Departamento de Trânsito do Paraná (Detran-PR) era irracional, considerando que o uso do hábito é parte integrante da identidade das Irmãs de Santa Marcelina, e não um “acessório estético”. Afirmou ainda que exigir que uma freira retire o véu seria equivalente a exigir que uma pessoa barbeie a barba ou o bigode, violando o direito de autodeterminação dos indivíduos. Por fim, alegou que a proibição do uso do traje limita o reconhecimento do Estado à liberdade de culto.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu a favor da freira, reconhecendo o direito de usar o hábito religioso na foto para a CNH e afastando a aplicação de um dispositivo da Resolução 192/06 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran).
A União recorreu ao STF, defendendo a mitigação do dispositivo constitucional em face da norma infralegal para proibir o uso de vestimentas religiosas na foto para o cadastro ou renovação da CNH.
Argumentou que a liberdade de consciência e de crença, garantida pelo inciso VI do art. 5º da Constituição Federal (CF), foi limitada pelo inciso VIII, que estabelece que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”. Para a União, isso significa que a liberdade religiosa não pode se sobrepor a uma obrigação comum a todos os cidadãos.
O ministro Barroso, relator do caso, entendeu que a religiosidade ainda ocupa um espaço muito importante na vida social e no imaginário das pessoas no mundo contemporâneo, e que não se pode negligenciar seu papel. Assim, afirmou que o STF deve tomar decisões que prestigiem e valorizem a liberdade religiosa.
Ressaltou que a CF trata da religião sob os vetores da liberdade religiosa (de crença, culto e organização) e da laicidade estatal (inexistência de religião oficial), que não impede a liberdade de culto. Quanto a este último, Barroso afirmou que se trata da manifestação externa do sentimento religioso e do papel missionário de atrair adeptos.
Diante da tensão entre a liberdade religiosa e a segurança pública, o ministro se manifestou no sentido da proporcionalidade, considerando a proibição do uso de trajes religiosos em fotos oficiais como uma medida excessiva e desnecessária.
Para Sua Excelência, tal proibição compromete a liberdade religiosa, sem impactar significativamente a segurança pública, pois é possível identificar a fisionomia da pessoa mesmo com a cabeça coberta.
O ministro alertou que, embora o uso de trajes religiosos possa ser um problema em alguns países, culturalmente falando, isso não é um problema no Brasil. Ressaltou que não há proporcionalidade ou razoabilidade na restrição, até porque, embora haja exceções, os religiosos geralmente não representam uma ameaça à sociedade.
Ao final, negou provimento ao recurso da União e propôs a seguinte tese:
“É constitucional a utilização de acessórios ou vestimentas relacionadas à crença ou religião nas fotos de documentos oficiais, desde que não impeçam a adequada identificação individual, com rosto visível.”
Com informações Migalhas.