A Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou uma manifestação no âmbito de um habeas corpus proposto pela Defensoria Pública da União, na qual se defende que a mulher, identificada como Sônia Maria de Jesus, resgatada da residência de um desembargador em Santa Catarina devido a suspeita de submissão a trabalho escravo por um período de 40 anos, seja novamente afastada dos investigados. A ação ocorreu após decisão do relator do caso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que permitiu o retorno de Sônia à residência dos suspeitos.
O subprocurador-geral da República, Carlos Frederico Santos, encarregado do caso pelo Ministério Público Federal, argumenta que a decisão de permitir o retorno de Sônia à residência dos investigados é passível de revisão, uma vez que é considerada teratológica, justificando assim a concessão do habeas corpus.
Carlos Frederico informa ao ministro André Mendonça, relator do caso, que as investigações em curso permitiram a denúncia do desembargador Jorge Luiz Borba e de sua esposa, Ana Cristina Gayotto de Borba, pelo crime de redução de pessoa a condições análogas à de escravo, conforme previsto no Código Penal (artigo 149, caput e §2º, inciso I).
Ao defender que a vítima permaneça afastada dos suspeitos até a conclusão das investigações, conforme proposto pela Defensoria Pública, o subprocurador enfatiza a existência de laudos técnicos que atestam a vulnerabilidade de Sônia, que é surda e não possui conhecimento da linguagem de sinais. Ele argumenta que é impossível determinar sua vontade de maneira livre e inequívoca devido ao histórico de exploração que perdurou por várias décadas.
O subprocurador compara a situação da vítima à “síndrome de Estocolmo”, um estado psicológico no qual uma pessoa submetida a um longo período de intimidação desenvolve simpatia e até mesmo sentimentos de amor ou amizade em relação ao agressor.
Além disso, a manifestação destaca relatos de familiares de Sônia que tiveram dificuldades para manter contato com ela, mesmo com autorização judicial. Os ex-patrões também teriam dificultado o atendimento que Sônia recebia em um abrigo para onde foi levada.
O documento menciona ainda as condições de saúde da vítima, que só foram verificadas após o resgate, incluindo a perda de dentes enquanto estava sob a custódia dos investigados. Oito depoimentos de ex-funcionários do casal confirmam que Sônia prestava serviços habituais, sem receber salário, o que justifica seu afastamento dos investigados e refuta a alegação de que era tratada como parte da família.
Carlos Frederico destaca a interrupção do atendimento médico e psicológico que estava em andamento e enfatiza que a paciente foi retirada do local onde recebia tratamento e educação formal pelo Estado, direitos que lhe foram negados por quatro décadas.
Quanto ao cabimento do habeas corpus, o subprocurador argumenta que a ordem que permitiu o retorno da vítima aos suspeitos é teratológica, justificando a apreciação do habeas corpus pela Suprema Corte, mesmo que o caso ainda esteja pendente de tramitação no STJ. Ele aponta flagrante ilegalidade na submissão da paciente/vítima a severas restrições em sua liberdade individual e ressalta que o retorno dela à residência dos denunciados prejudica seu processo de aprendizado em Libras, bem como interrompe a construção de sua autonomia e desvinculação afetiva em relação aos ex-patrões.
Fonte: MPF.