A Procuradoria-Geral da República (PGR) em exercício, representada por Elizeta Maria de Paiva Ramos, emitiu um parecer ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta segunda-feira, 16, no qual argumenta contra a constitucionalidade de uma resolução do Estado de São Paulo. Essa resolução exige que mulheres trans tenham passado por cirurgia de confirmação de gênero como condição para serem alojadas em estabelecimentos prisionais femininos.
O parecer foi apresentado em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) proposta pela Antra – Articulação Nacional de Travestis e Transexuais contra a mencionada resolução, datada de 2014 e emitida pela Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo.
A Antra destaca que a imposição da cirurgia, na prática, torna inviável o direito das mulheres trans e travestis de permanecerem em presídios femininos, devido ao custo elevado do procedimento e à demora na sua realização pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
De acordo com a PGR em exercício, é inconstitucional requerer que pessoas trans se sujeitem a intervenções físicas como condição para exercerem seu legítimo direito relacionado à identidade de gênero.
A Procuradora-Geral em exercício recorda que essa questão já foi debatida nas instâncias superiores do Judiciário brasileiro, com a inconstitucionalidade da exigência da cirurgia para o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas trans sendo declarada na ADIn 4.275.
Além disso, em outra ação, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a aplicação da Lei Maria da Penha a pessoas trans, independentemente da realização da cirurgia.
A Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, por sua parte, alega estar em conformidade com o artigo 77 da Lei de Execuções Penais, que proíbe a presença de pessoas de “outro sexo” em unidades prisionais femininas.
Elizeta Maria de Paiva Ramos destaca a necessidade de que o Direito seja capaz de se adequar às mudanças cotidianas e às realidades sociais, independentemente da interpretação literal das normas. Reduzir o direito de escolha da unidade prisional para pessoas trans, de acordo com ela, implica em adotar um argumento simplista e preconceituoso.
Direito de escolha
No âmbito da ADIn, a Antra propõe a observância obrigatória da escolha da pessoa trans em relação ao estabelecimento prisional para o qual será encaminhada. Embora a PGR em exercício reconheça a natureza humanizadora e progressiva dessa medida, ela sustenta que cabe ao juiz ou juíza natural do caso avaliar as opções disponíveis e examinar a viabilidade de implementá-las, sempre que possível.
Elizeta Maria de Paiva Ramos observa que impor aos juízes a obrigação de acatar a escolha da pessoa trans, sem espaço para consideração, seria contrário à independência judicial e ao princípio da livre convicção motivada do magistrado.
Legitimidade
A PGR em exercício reconhece a legitimidade da Antra para propor a ação. Ela considera que a entidade atende aos requisitos necessários para representar os interesses das pessoas trans, que são consideradas um grupo vulnerável. A Antra é uma organização civil que articula 127 instituições em todo o Brasil e, neste caso, atua em um tema que diz respeito ao segmento social protegido.
Segundo Elizeta Maria de Paiva Ramos, essas circunstâncias devem levar a uma interpretação ampla do artigo 103, inciso IX, da Constituição Federal, devido à função contramajoritária desempenhada pelo STF na jurisdição constitucional.
Fonte: Migalhas.