O recente retorno ao centro dos debates públicos da questão da descriminalização do uso de drogas para consumo pessoal no Brasil, devido à retomada do julgamento pelo STF do Recurso Extraordinário n. 635659, coloca em pauta a controversa “guerra às drogas”.
Este recurso estava pendente de julgamento pelo STF desde 2015 e voltou à tona nas últimas semanas. O voto do Ministro Alexandre de Moraes nesse recurso tem uma conexão direta com outro caso aguardando conclusão no STF, o HC 208.240-SP, que aborda o perfilamento racial em abordagens policiais e também merece nossa análise.
O RE em questão discute a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) e envolve um caso específico em que o recorrente foi condenado por tráfico de drogas, embora estivesse portando apenas 3 gramas de maconha, alegando ser para uso pessoal.
O Ministro Gilmar Mendes, relator do caso, declarou a inconstitucionalidade de todas as sanções penais relacionadas ao porte de drogas, sugerindo assim a descriminalização de todas as drogas. Ele propôs a aplicação de sanções apenas administrativas, não mais penais.
Os Ministros Fachin e Barroso acompanharam o relator, mas com uma diferenciação: Fachin na maconha e Barroso adotou um critério provisório, semelhante ao modelo de Portugal, no qual até 25 gramas de maconha ou 6 plantas fêmeas não caracterizariam tráfico.
No decorrer do voto, o Ministro Alexandre de Moraes apresentou dados de uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Jurimetria, referente a flagrantes por tráfico de drogas de 2002 a 2017 e apreensões por uso, totalizando mais de 600 mil casos. O estudo revelou um “abuso policial seletivo” em relação à quantidade de drogas portada, indicando que pessoas brancas acima de 30 anos com ensino superior precisam estar com quantidades muito maiores de drogas para serem consideradas traficantes, enquanto pessoas negras com níveis educacionais mais baixos podem ser condenadas por pequenas quantidades, como os 3 gramas de maconha do caso em análise.
O voto do Ministro Alexandre de Moraes evidencia de maneira clara a existência do perfilamento racial nas abordagens policiais e seu impacto nas prisões injustas. Isso deve influenciar o julgamento sobre o perfilamento racial, destacando a necessidade de estabelecer critérios objetivos, já existentes na legislação, para a busca pessoal sem mandado, como previsto no artigo 244 do CPP, a fim de combater essa seletividade racial no sistema de justiça.