
A 14ª Vara Cível de São Paulo julgou improcedente o pedido de indenização por danos morais movido por José Luiz Datena contra Pablo Marçal, em razão de declarações feitas durante debate eleitoral televisionado em setembro de 2024. A sentença reconheceu que, diante do interesse público e da veracidade do fato mencionado — uma acusação de assédio sexual já divulgada na mídia —, a manifestação crítica do réu configura exercício legítimo da liberdade de expressão e não gera obrigação de indenizar.
Contexto do Caso e Histórico da Decisão
Durante debate entre candidatos à Prefeitura de São Paulo, transmitido pela TV Cultura, Pablo Marçal mencionou uma acusação de assédio contra Datena, utilizando tom crítico e expressões duras. Datena alegou que a fala sugeria que ele seria um estuprador e requereu indenização de R$ 100.000,00 por danos morais, sustentando que sua reputação e imagem foram lesadas.
Em sua defesa, Marçal argumentou que se limitou a expor fato verídico e de interesse público, previamente conhecido, no contexto de um debate eleitoral. Alegou ainda que sua manifestação se insere no âmbito da liberdade de expressão e da crítica política, elementos essenciais ao processo democrático.
Questão Jurídica Envolvida
O cerne da controvérsia residiu na colisão entre os direitos da personalidade (honra e imagem) e o direito à liberdade de expressão, especialmente no contexto de debate eleitoral entre figuras públicas.
A decisão proferida pelo juiz Christopher Alexander Roisin entendeu que, sendo Datena uma figura pública e estando a acusação de assédio sexual amplamente divulgada antes do debate, a menção ao fato durante evento eleitoral não extrapolou os limites do exercício legítimo da crítica. Destacou ainda que, mesmo em tom impiedoso, não houve imputação falsa de crime por parte de Marçal.
Fundamentos Jurídicos do Julgamento
A sentença fundamentou-se em precedentes do Supremo Tribunal Federal que reconhecem a crítica política e jornalística como expressão legítima e constitucionalmente protegida, sobretudo quando dirigida a pessoas públicas. O juiz destacou que o conteúdo da fala de Marçal não configura difamação, mas exercício de opinião política baseada em fato verídico.
A manifestação foi enquadrada como animus narrandi e animus criticandi — intenção de narrar e criticar —, sem intuito deliberado de injuriar (animus injuriandi). Considerou-se, assim, que o episódio não gerou o dano alegado, e que o autor deve suportar o grau ampliado de escrutínio inerente à sua condição de figura pública.
Impactos Práticos da Decisão
A decisão fortalece a jurisprudência que protege a liberdade de expressão em contextos eleitorais, ao reafirmar que manifestações críticas com base em fatos verdadeiros não geram, por si só, dever de indenizar. A sentença também delimita os contornos da crítica aceitável em campanhas eleitorais, estabelecendo importante precedente para debates públicos envolvendo candidatos.
Legislação de Referência
- Constituição Federal de 1988
- Art. 5º, IV – É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.
- Art. 5º, IX – É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
- Art. 220 – A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
- Código de Processo Civil
- Art. 487, inciso I – Haverá resolução de mérito quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação.
- Código Civil
- Art. 20 – Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais.
A decisão ainda é passível de recurso.